quinta-feira, 13 de março de 2014

Arte de Amar, de Ovídio




                                                 II

Nec quotus annus eat, nec quo sit nata, require,
     Consule, quae rigidus munera Censor habet:
Praecipue si flore caret, meliusque peractum               
     Tempus, et albentes iam legit illa comas.
Utilis, o iuvenes, aut haec, aut serior aetas:
     Iste feret segetes, iste serendus ager.
Dum vires annique sinunt, tolerate labores:
     Iam veniet tacito curva senecta pede.                
Aut mare remigiis, aut vomere findite terras,
     Aut fera belligeras addite in arma manus,
Aut latus et vires operamque adferte puellis:
     Hoc quoque militia est, hoc quoque quaerit opes.
Adde, quod est illis operum prudentia maior,               
     Solus et artifices qui facit, usus adest:
Illae munditiis annorum damna rependunt,
     Et faciunt cura, ne videantur anus.
Utque velis, venerem iungunt per mille figuras:
     Invenit plures nulla tabella modos.               
Illis sentitur non inritata voluptas:
     Quod iuvet, ex aequo femina virque ferant.
Odi concubitus, qui non utrumque resolvunt;
     Hoc est, cur pueri tangar amore minus.
Odi quae praebet, quia sit praebere necesse,               
     Siccaque de lana cogitat ipsa sua.
Quae datur officio, non est mihi grata voluptas:
     Officium faciat nulla puella mihi.
Me voces audire iuvat sua gaudia fassas,
     Quaeque morer meme sustineamque rogent.               
Aspiciam dominae victos amentis ocellos:
    
Langueat, et tangi se vetet illa diu.
Haec bona non primae tribuit natura iuventae,
     Quae cito post septem lustra venire solent.
Qui properant, nova musta bibant: mihi fundat avitum               
     Consulibus priscis condita testa merum.

                                          II



Não rejeites a idade madura

663 Não lhe perguntes os anos nem o consulado em que nasceu
(isso é função do rígido censor),
mormente se o viço falece e o melhor tempo se foi,
ocupada já no catar dos grisalhos cabelos.
Esta idade, ó jovens, ou outra mais adiantada, não é de rejeitar:
agro é de rendimento, apto à sementeira.

Enquanto forças e anos o permitam, sustentai de Eros o labor;
aí vem já, com passo silencioso, a encurvada velhice.
Rasgai o mar com os remos, as terras com o arado,
que vossas mãos belicosas armas intrépidas empunhem:
vosso físico, vossas forças e cuidados às mulheres consagrai.
Também isto é milicia, também isto requer potência.
Acresce que há nelas maior habilidade na arte,
versadas que são em práticas afeiçoadoras de artistas.
Com tratamentos os estragos dos anos compensam
e por não parecer velhas se esforçam.
Mil posições venéreas assumirão, segundo tua vontade:
colecção nenhuma conter pode mais numerosas posturas.
Sem estímulos a volúpia as avassala.
Por igual concorram mulher e homem para que gozo haja.
Detesto os concúbitos que a um e outro deleite não causam
(por isso me sirvo de rapazes com menos entusiasmo);
detesto a mulher que por obrigação se dá,
e que, sentidos embotados, no seu tricô pensando vai.
Não me deleita a volúpia oferecida por dever,
da parte da mulher tal obrigação recuso.
Apraz-me escutar palavras que seu prazer desvelam,
e ainda toda a rogativa de retardo e contenção.
Adoro os lassos olhos da esvaecida amiga contemplar:
languescente, dos contactos a repeticão veta.
Tais riquezas, não as concede a natura a verdes anos,
só depois os sete lustros é de regra aparecerem.
Quem pressa tem, vinho novo beba; para mim, que uma ânfora,
conservada do tempo dos velhos cônsules, anoso vinho me sirva.



II    

            
Crede mihi, non est veneris properanda voluptas,
     Sed sensim tarda prolicienda mora.
Cum loca reppereris, quae tangi femina gaudet,
     Non obstet, tangas quo minus illa, pudor.               
Aspicies oculos tremulo fulgore micantes,
     Ut sol a liquida saepe refulget aqua.
Accedent questus, accedet amabile murmur,
     Et dulces gemitus aptaque verba ioco.
Sed neque tu dominam velis maioribus usus              
     Desere, nec cursus anteat illa tuos;
Ad metam properate simul: tum plena voluptas,
     Cum pariter victi femina virque iacent.
Hic tibi versandus tenor est, cum libera dantur
     Otia, furtivum nec timor urget opus.               
Cum mora non tuta est, totis incumbere remis
     Utile, et admisso subdere calcar equo.                          

Sintonia

717 Acredita-me, não se deve apressar o prazer de Vénus,
mas sim estimular por gradação a lenta demora.
Quando tiveres encontrado o sítio que a mulher gosta de sentir tocado,
que o pudor não te seja impedimento para afagos.
Verás seus olhos cintilar com inquieto fulgor,
como o sol a miúdo em águas claras refulge.
Ouvirás queixumes, ternos murmúrios,
doces gemidos, palavras aptas ao jogo amoroso.
Mas não abandones teu par, desfraldando velas mais amplas,
nem permitas que ela na carreira te ultrapasse.
Acelerai pois em sintonia para a meta. Então, em plena volúpia,
mulher e homem ambos esgotados jazem.
Este é o método, quando dispões de tempo com largueza,
e o medo do coito furtivo não te apressa.
Quando perigosa for a delonga, é vantajoso os remos bater de força,
e ao cavalo a toda a brida dar de esporas.


                                            II
Dum facit ingenium, petite hinc praecepta, puellae,
     Quas pudor et leges et sua iura sinunt.
Venturae memores iam nunc estote senectae:
     Sic nullum vobis tempus abibit iners.              
Dum licet, et vernos etiamnum educitis annos,
     Ludite: eunt anni more fluentis aquae;
Nec quae praeteriit, iterum revocabitur unda,
     Nec quae praeteriit, hora redire potest.
Utendum est aetate: cito pede labitur aetas,               
     Nec bona tam sequitur, quam bona prima fuit.
Hos ego, qui canent, frutices violaria vidi:
     Hac mihi de spina grata corona data est.
Tempus erit, quo tu, quae nunc excludis amantes,
     Frigida deserta nocte iacebis anus,               
Nec tua frangetur nocturna ianua rixa,
     Sparsa nec invenies limina mane rosa.
Quam cito (me miserum!) laxantur corpora rugis,
     Et perit in nitido qui fuit ore color.


Mulher, aproveita o dia que passa

57 Enquanto me ajuda o talento, colhei aqui, mulheres, os preceitos
que o pudor, as leis e a condição vos permitem.
Tomai consciência, desde já, da senectude que se aproxima,
para que assim não deixeis improdutivo nenhum momento transcorrer.
Enquanto é possível e os vernos anos ainda mostrais,
dai-vos ao gozo; os anos se vão como água corrente.
Nem águas passadas a nascente retornam,
nem a hora que passou poderá para trás voltar.
Aproveite-se a idade, que se esgueira com pé ligeiro,
e não é tão venturosa como a outra anterior.
Nestas sarças, que emurchecem, vi eu canteiros de violetas;
deste espinheiro outrora fiz jucundas coroas.
Tempo virá em que tu, que os amantes agora entrar não deixas,
velha e abandonada, a noite passarás cheia de frio,
não sendo tua porta em noctuma rixa danificada,
nem de manhã o limiar juncado de rosas encontrarás.
Ai de mim, com que pressa o corpo se relaxa, enrugando,
e murcha a tez num rosto que foi gentil!


Nostra sine auxilio fugiunt bona; carpite florem,
     Qui, nisi carptus erit, turpiter ipse cadet.         
 

79 Sem remédio nossos hens desaparecem. Colhei a flor,
que, a não ser colhida, ingloriamente cairá por si.

Ite per exemplum, genus o mortale, dearum,
     Gaudia nec cupidis vestra negate viris.
Ut iam decipiant, quid perditis? omnia constant;
     Mille licet sumant, deperit inde nihil.               

Conteritur ferrum, silices tenuantur ab usu:
     Sufficit et damni pars caret illa metu.

87 Ó raça mortal, o exemplo das deusas imitai,
não recusando vossos prazeres aos homens que vos desejam.
A supor que vos enganem, que perdeis vós? Tudo vos permanece:
podem mil homens possuir-vos, que por isso nada é perdido.
0 ferro com o uso se gasta, o silex se adelgaça:
a tal coisa resiste e estragos não teme.

III


Utilis est vobis, formosae, turba, puellae.
     Saepe vagos ultra limina ferte pedes.
Ad multas lupa tendit oves, praedetur ut unam,
     Et Iovis in multas devolat ales aves.               

Se quoque det populo mulier speciosa videndam:
     Quem trahat, e multis forsitan unus erit.
Omnibus illa locis maneat studiosa placendi,
     Et curam tota mente decoris agat.
Casus ubique valet; semper tibi pendeat hamus:               
     Quo minime credas gurgite, piscis erit.
Saepe canes frustra nemorosis montibus errant,
     Inque plagam nullo cervus agente venit.
Quid minus Andromedae fuerat sperare revinctae,
     Quam lacrimas ulli posse placere suas?               

Funere saepe viri vir quaeritur; ire solutis
     Crinibus et fletus non tenuisse decet.
Sed vitate viros cultum formamque professos,
     Quique suas ponunt in statione comas.


Mulher, tem o anzol sempre à mão


417 A multidão, ó belas, vos traz vantagens;
que vossos passos incertos com frequência o limiar transponham.
Ao encontro de muitas ovelhas se dirige a loba, para uma só agarrar,
e a ave de Júpiter desce rápida sobre um bando de pássaros.
Também uma bela mulher se deve dar em espectáculo ao público.
Talvez que, dentre muitos, ela consiga um rebocar.
Que em todos os sítios so demore, desejosa do agradar,
e toda se entregue aos cuidados de sua beleza.
Em toda a parte o acaso é importante: tem sempre à mão o anzol:
no fundão menos propício, o peixe toparás.
Quantas vezes os cães em vão os montes nemorosos,
e afinal o cervo vem cair no laço sem que o acossem.
Atada ao rochedo, que esperança depositaria Andrómeda
em lágrimas suas que pudessem a alguém aprazer?
Quantas vezes no funeral do marido vai a mulher achar um amigo!
É boa norma caminhar lavada em lágrimas e de cabelos soltos.

III


Sentiat ex imis venerem resoluta medullis
     Femina, et ex aequo res iuvet illa duos.
Nec blandae voces iucundaque murmura cessent,               
     Nec taceant mediis improba verba iocis.
Tu quoque, cui veneris sensum natura negavit,
     Dulcia mendaci gaudia finge sono.
Infelix, cui torpet hebes locus ille, puella,
     Quo pariter debent femina virque frui.               
Tantum, cum finges, ne sis manifesta, caveto:
     Effice per motum luminaque ipsa fidem.
Quam iuvet, et voces et anhelitus arguat oris;
     A! pudet, arcanas pars habet ista notas.


O prazer do orgasmo

793 Que a mulher em espasmo se penetre de gozo ate à medula,
e que a volúpia igual seja para ambos os dois.
Que não cessem as meigas vozes e os gemidos deleitosos,
nem as palavras lascivas deixem do secundar vossos arroubamentos.
Tu mesma, a quem a natureza o sabor de Vénus negou,
com entoação enganadora doces prazeres fingir deves.
Infeliz é a mulher que inerte e embotado aquele órgão tem,
donde ela e o homem devem por igual deleites fruir.
Muito cuidado! Que ao fingires não descubras o jogo:
assegura a confiança com os movimentos e a expressão do olhar.
Que tuas palavras e teus suspiros mostras dêem do prazer.
Ah, vergonha! Este órgão tem secretas qualidades.


Nec lucem in thalamos totis admitte fenestris;
     Aptius in vestro corpore multa latent.

807 Não dês entrada à luz no teu quarto por todas as janelas:
melhor assim veladas ficam muitas partes de teu corpo.


Tradução de J. Lourenço de Carvalho em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

Sem comentários:

Enviar um comentário