segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Epigramas, de Marcial



                          I,74

Nullus in urbe fuit tota qui tangere vellet
Uxorem gratis, Caeciliane, tuam,
Dum licuit: sed nunc positis custodibus ingens
Turba fututorum est: ingeniosus homo es.


Em toda a urbe ninguém havia que tocar quisesse
gratuitamente, ó Ceciliano, a tua mulher
enquanto tu deixavas. Mas agora que a rodeaste de guardas
uma malta enorme a quer foder. Que espertalhão tu és!

                          I,78

Pulchre valet Charinus, et tamen pallet.
Parce bibit Charinus, et tamen pallet.
Bene concoquit Charinus, et tamen pallet.
Sole utitur Charinus, et tamen pallet.
Tingit cutem Charinus, et tamen pallet.
Cunnum Charinus lingit, et tamen pallet.


Carino é homem são, mas mesmo assim está pálido.
Carino bebe pouco, mas mesmo assim está pálido.
Carino digere bem, mas mesmo assim está pálido.
Carino põe-se ao sol, mas mesmo assim está pálido.
Carino pinta o rosto, mas mesmo assim está pálido.


                          I,91

Quod numquam maribus iunctam te, Bassa, videbam
Quodque tibi moechum fabula nulla dabat,
Omne sed officium circa te semper obibat
Turba tui sexus, non adeunte viro,
Esse videbaris, fateor, Lucretia nobis:
At tu, pro facinus, Bassa, fututor eras.
Inter se geminos audes committere cunnos
Mentiturque virum prodigiosa Venus.
Commenta es dignum Thebano aenigmate monstrum,
Hic ubi vir non est, ut sit adulterium.


Como nunca te vi, ó Bassa, cercada de homens
e de nenhuma amante as más-línguas te acusavam,
e como à tua volta só havia donzelas
prontas ao teu serviço, mas de macho... nem cheiro,
cheguei, confesso, a crer-te uma Lucrécia.
Mas afinal, Bassa, — que horror! — tu fodia-las todas,
tu ousavas fazer amor cona com cona,
quase parecias um homem, ó Vénus monstruosa!
Forjaste um enigma digno da tebana esfinge:
como haver adultério onde não existe homem!

Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Epigramas, de Marcial



                        I, 24

Invitas nullum nisi cum quo, Cotta, lavaris
Et dant convivam balnea sola tibi.
Mirabar, quare numquam me, Cotta, vocasses:
Iam scio, me nudum displicuisse tibi.

Não convidas ninguém, Cota, senão os que contigo se banham,
escolhes os teus convivas dentro dos balneários.
Espantava-me eu, ó Cota, que nunca a mim me convidasses.
Já percebi: quando nu, não sou do teu agrado!

                        I,25

Aspicis incomptis illum, Deciane, capillis,
Cuius et ipse times triste supercilium,
Qui loquitur Curios adsertoresque Camillos?
Nolito fronti credere: nupsit heri.


Estás a ver, Deciano, aquele tipo de cabelos desgrenhados,
de que tu próprio temes o cenho carregado,
que só fala dos Cúrios e dos Camilos, esses heróis de outrora?
Não te fies no seu aspecto: ainda ontem fez de noiva!

                        I,35

Incustoditis et apertis, Lesbia, semper
Liminibus peccas nec tua furta tegis,
Et plus spectator quam te delectat adulter
Nec sunt grata tibi gaudia si qua latent.
At meretrix abigit testem veloque seraque
Raraque Submemmi fornice rima patet.
A Chione saltem vel ab Iade disce pudorem:
Abscondunt spurcas et monumenta lupas.
Numquid dura tibi nimium censura videtur?
Deprendi veto te, Lesbia, non futui.

Sem guarda à porta, com os batentes escancarados, ó Lésbia,
é que te apraz fazer amor, acto que nunca escondes.
Dá-te mais gozo um espectador do que um amante,
e não te dão prazer os prazeres que se ocultam.
Até a meretriz se esconde, corre a cortina e fecha a porta,
e nem por uma greta se vislumbra o interior do prostibulo.
Aprende a ter pudor ao menos com Quíone ou com Íade:
até um túmulo serve para esconder tão reles putas.
Acaso te parece excessiva a minha censura, Lésbia?
Acho bem que forniques, em público é que não!

                         I,36

 Versus scribere me parum severos
 Nec quos praelegat in schola magister,
 Corneli, quereris: sed hi libelli,
 Tamquam coniugibus suis mariti,
 Non possunt sine mentula placere.
 Quid si me iubeas talassionem
 Verbis dicere non talassionis?
 Quis Floralia vestit et stolatum
 Permittit meretricibus pudorem?
 Lex haec carminibus data est iocosis,
 Ne possint, nisi pruriant, iuvare.
 Quare deposita severitate
 Parcas lusibus et iocis rogamus,
 Nec castrare velis meos libellos.
 Gallo turpius est nihil Priapo.


Que sejam os meus versos pouco sérios,
tais que o mestre os não pode ler na escola,
tu lamentas, Cornélio. Porém, os meus livrinhos,
tal como as suas consortes os maridos,
não podem sem caralho dar prazer.
Como escrever lascivo canto nupcial
sem usar lascivos termos nupciais?
Quem com traje de jogos florais, as meretrizes
permite que tenham seriedade de matronas?
Estes ligeiros poemas a uma lei obedecem:
apenas dão prazer se forem excitantes.
Por isso dá ao demo a seriedade,
não condenes, te peço, as minhas brincadeiras,
e tira da ideia castrar os meus livrinhos.

Nada há mais torpe que um Príapo capado! 

Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

CARMINA, DE CATULO






                    V


Vivamus, mea Lesbia, atque amemus,
Rumoresque senum severiorum
Omnes unius aestimemus assis.
Soles occidere et redire possunt:
Nobis cum semel occidit brevis lux,
Nox est perpetua una dormienda.
Da mi basia mille, deinde centum,
Dein mille altera, dein secunda centum,
Deinde usque altera mille, deinde centum.
Dein, cum milia multa fecerimus,
Conturbabimus illa, ne sciamus,
Aut nequis malus invidere possit,
Cum tantum sciet esse basiorum.




 
Gozemos a vida, Lésbia, fazendo amor,
desprezando o falatório dos velhos puritanos.
A luz do sol pode morrer e renascer
mas a nós, quando de vez e nos apaga a breve luz da vida,
resta-nos dormir toda uma noite sem fim.
Beija-me mil vezes, mais cem;
outras mil, outras cem.
Depois, quando tivermos ajuntado muitos milhares,
vamos baralhá-los, perdendo-lhes a conta,
para que nenhum invejoso, incapaz de contar beijos tantos,
possa mau-olhado nos lançar (*)

 
(*) Segundo a superstição mágica, os malefícios do mau-olhado só se concretizariam no caso de ser possível a contagem exacta dos beijos.  (NOTA DO TRADUTOR).
 
  

               

                      VI

Flavi, delicias tuas Catullo,
Nei sint inlepidae atque inelegantes,
Velles dicere, nec tacere posses.
Verum nescioquid febriculosi
Scorti diligis: hoc pudet fateri.
Nam te non viduas iacere noctes
Nequiquam tacitum cubile clamat
Sertis ac Syrio fragrans olivo,
Pulvinusque peraeque et hic et ille
Attritus, tremulique quassa lecti
Argutatio inambulatioque.
Nam nil stupra valet, nihil, tacere.
Cur? non tam latera ecfututa pandas,
Nei tu quid facias ineptiarum.
Quare quidquid habes boni malique,
Dic nobis. volo te ac tuos amores
Ad caelum lepido vocare versu.



 
Flávio, se a tua amante não fosse destituída de encantos e elegância,
tu não serias capaz de silenciar,
e a Catulo dela falarias.
Andas, na verdade, enleado a não sei que febril michela.
Tens vergonha de confessá-lo.
Ora que não passas as noites sozinho,
clama-o, embora calado, teu leito,
rescendente a grinaldas e a perfume sírio,
e por igual os amachucados travesseiros,
O gemer balouçante de teu leito desengonçado.
Pois de nada vale deboches ocultar.
E porquê? Não terias os flancos tao emaciados pela fornicação,
se não praticasses loucuras.
Va, conta-me as horas boas e más!
Glorificar-te em verso faceto quero,
a ti e à tua favorita.



Tradução de J. Lourenço de Carvalho em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

  

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

CARMINA, DE CATULO



                    XVI


 Pedicabo ego vos et inrumabo,
Aureli pathice et cinaede Furi,
Qui me ex versiculis meis putastis,
Quod sunt molliculi, parum pudicum.
Nam castum esse decet pium poetam
Ipsum, versiculos nihil necessest,
Qui tum denique habent salem ac leporem,
Si sunt molliculi ac parum pudici
Et quod pruriat incitare possunt,
Non dico pueris, sed his pilosis,
Qui duros nequeunt movere lumbos.
Vos, quom milia multa basiorum
Legistis, male me marem putatis?

Pedicabo ego vos et inrumabo.




O Aurélio brochista, ó Fúrio paneleiro,
a vós que, sendo meus leves versos voluptuosos, por eles devasso me julgastes,
eu vos hei-de enrabar e embrochar.
Ora se um autêntico poeta casto deve ser,
não é força que seus versos o sejam.
Estes afinal sabor e encanto hão-de ter,
se forem galantes e nada cândidos,
e capazes de aguilhoar desejos,
não digo nos moços, mas nesses pilosos
que não podem já os engrunhidos rins mover.
Vós, lá porque lestes muitos milhares de beijos,
acaso me considerais falto de virilidade?
Pois hei-de-vos enrabar e embrochar.

                   
                    XXI



Aureli, pater essuritionum,
Non harum modo, sed quot aut fuerunt
Aut sunt aut aliis erunt in annis,
Pedicare cupis meos amores.
Nec clam: nam simul es, iocaris una,
Haeres ad latus omnia experiris.
Frustra: nam insidias mihi instruentem
Tangem te prior inrumatione.
Atque id si faceres satur, tacerem:
Nunc ipsum id doleo, quod essurire,
A me me, puer et sitire discet.
Quare desine, dum licet pudico,
Ne finem facias, sed inrumatus.


Aurélio, ó pai das fomes,
não só das de agora, mas de quantas existiram,
existem ou existirão em anos futuros,
tu queres enrabar o meu favorito.
E nem disfarças, pois não o largas: juntos brincais,
colado a sua ilharga, de tudo lanças mão.
Embalde. Antes de ciladas rae dispores,
te há-de a minha porra a boca atafulhar.
Se o fizesse com a barriga cheia, eu calava-me;
agora o que me dói é que o meu moço
tenha de aprender a suportar a fome e a sede.
Anda lá, desiste enquanto é possível sem escândalo,
não aconteça que tenhas de acabar, mas embrochado. 



                    XXV




Cinaede Thalle, mollior cuniculi capillo
Vel anseris medullula vel imula oricilla
Vel pene languido senis situque araneoso,
Idemque Thalle turbida rapacior procella,
Cum diva munerarios ostendit oscitantes,
Remitte pallium mihi meum, quod involasti,
Sudariumque Saetabum catagraphosque Thynos,
Inepte, quae palam soles habere tamquam avita.
Quae nunc tuis ab unguibus reglutina et remitte,
Ne laneum latusculum manusque mollicellas
Inusta turpiter tibi flagella conscribillent,
Et insolenter aestues velut minuta magno
Deprensa navis in mari vesaniente vento.



Talo, ó paneleiro, mais mole que pêlo de coelho,
que medula de ganso, que lóbulo de orelha,
que a porra flácida dum velho e que uma teia de aranha;
ó tu, que és ao mesmo tempo mais rapinante que a túrbida procela,
quando a lua os putanheiros bocejantes alumia,
restitui o manto quo me roubaste
e o lenço de Sétabis e os bordados da Bitínia,
que tens o hábito de ostentar, imbecil, como bens de família.
Desgruda-mos já das tuas unhas e devolve-os,
para que chicotadas queimantes te não marquem de indignidade
o brando flancozinho e as delicadas mãozinhas,
e não estues insólito como frágil barquito
por um vento raivoso em mar grosso apanhado. 




Tradução de J. Lourenço de Carvalho em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Carmina, de Catulo


     Carmina, de Catulo



                        LVIII.


Caeli, Lesbia nostra, Lesbia illa,
Illa Lesbia, quam Catullus unam
Plus quam se atque suos amavit omnes,
Nunc in quadriviis et angiportis
Glubit magnanimos Remi nepotes.


Célio, a minha Lésbia, aquela Lésbia,
sim, aquela Lésbia, única a quem Catulo amou
mais que a si próprio e a todos os seus,
agora nas encruzilhadas e nas vielas,
os descendentes do magnânimo Remo esfola. 



                         LXIX.

Noli admirari, quare tibi femina nulla,
Rufe, velit tenerum supposuisse femur,
Non si illam rarae labefactes munere vestis
Aut perluciduli deliciis lapidis.
Laedit te quaedam mala fabula, qua tibi fertur
Valle sub alarum trux habitare caper.
Hunc metuunt omnes neque mirum: nam mala valdest
Bestia, nec quicum bella puella cubet.
Quare aut crudelem nasorum interfice pestem,
Aut admirari desine cur fugiunt.



Não estranhes, Rufo, que nenhuma mulher
queira pôr debaixo de ti as macias coxas,
ainda quando a tentes corromper com vestidos de luxo
ou uma deleitante jóia de singular transparência.
Um boato incómodo te prejudica: consta que
um bode sanhudo das tuas axilas fez morada.
Todas o temem. E nem admira, pois é hórrido animal,
e com ele nenhuma mulher bonita se deitará.
Então, ou aniquilas esse atroz flagelo dos narizes,
ou deixas de estranhar que fujam de ti. 



Tradução de J. Lourenço de Carvalho em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Epigramas de MARCIAL


Epigramas de Marcial, Livro III


LXX

Moechus es Aufidiae, qui vir, Scaevine, fuisti;
Rivalis fuerat qui tuus, ille vir est. 
Cur aliena placet tibi, quae tua non placet, uxor?
Numquid securus non potes arrigere?

Foste marido de Aufídia, agora és seu amante,
Cevino, e o teu rival de então passou a ser marido.
Casada com outro agrada-te; desagradava-te quando tua mulher.
Porquê? Será que a segurança te impedia a tesão?


LXXI

Mentula cum doleat puero, tibi, Naevole, culus,
Non sum divinus, sed scio quid facias.

Dói o caralho ao teu escravo
e a ti, Névolo, o cu.
Mesmo sem ser adivinho
sei bem de que raça és tu!




Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975