domingo, 6 de abril de 2014

Breve história da burguesia, de Hans-Magnus Enzensberger



Hans Magnus Enzensberger 

Kurze
Geschichte der Bourgeoisie 



Dies war der Augenblick, da wir,
ohne es zu bemerken, fünf Minuten lang
unermesslich reich waren, großzügig
und elektrisch gekühlt im Juli,
oder für den Fall, dass es November war,
loderte das eingeflogene finnische Holz
in den Renaissancekaminen. Komisch,
alles war da, flog sich ein,
gewissermaßen von selber. Elegant
waren wir, niemand konnte uns leiden.
Wir warfen um uns mit Solokonzerten,
Chips, Orchideen in Cellophan. Wolken,
die Ich sagten. Einmalig!

Überallhin Linienflüge. Selbst unsre Seufzer
gingen auf Scheckkarte. Wie die Rohrspatzen
schimpften wir durcheinander. Jedermann
hatte sein eigenes Unglück unter dem Sitz,
griffbereit. Eigentlich schade drum.
Es war so praktisch. Das Wasser
floss aus den Wasserhähnen wie nichts.
Wisst ihr noch? Einfach betäubt
von unsern winzigen Gefühlen,
aßen wir wenig. Hätten wir nur geahnt,
dass das alles vorbei sein würde
in fünf Minuten, das Roastbeef Wellington
hätte uns anders, ganz anders geschmeckt.



Short History of the Bourgeoisie

This was the moment when, for five minutes, 
without noticing it, 
we were immeasurably rich, generous 
and electric, cooled in July, 
or if it were November, 
wood flown in from Finland glowed 
in our Renaissance fireplaces. Funny, 
everything was there, was flying in, 
in a way, by itself. How elegant 
we were, no one could bear us.
We threw our money about on solo-concerts, 
chips, orchids in cellophane. Clouds 
wrote our names. Exquisite.

Scheduled flights in all directions. Even our sighs 
were on credit. Like fishwives 
we scolded each other. Everyone 
had his own misfortune under his seat, 
close at hand. That was a shame, really.
It was so practical. Water 
flowed from the taps like nothing on earth.
Do you remember? Overcome 
by our tiny emotions, 
we ate little. If we had only known 
that it would all be over 
in five minutes, the Beef Wellington 
would have tasted quite, quite different.


Hans Magnus Enzensberger 
Translated by Alasdair King (1990)




sábado, 5 de abril de 2014

António de Gouveia (1510 ? - 1566)




DE ASELLO


Ad cenam sponsus ueterem inuitauit Asellum,
              Cui nullus toto corpore sanguis erat.
Hic grandem pro se natum delegat, opusque
              Quid factu et quali cum ratione docet.
Aulam ipsam quadam 
cum maiestate subintra:
              Saepe recusato membra repone loco.
Si comedant, saltent, cantent, haec onmia, Nate,
              Fac, u
honestatis non uideare rudis.
Cui Natus, futuant si forte, quid? id mihi manda.
              Atque istic subito, dixit Asellus, ero.




O ASNO

Um noivo convidou para o banquete um asno velho.
              Que já não tinha um pingo de vigor em todo o corpo.
Este envia em seu lugar um filho crescido, e ensina
              O que ele deve fazer e de que modo:
“Entra no palácio com certa majestade:
              Retira as patas dos lugares proibidos.
Caso eles comam, dancem, cantem, faz tudo isso, filho,
              Para não pareceres de comportamento grosseiro.”
O filho perguntou ao velho: “Caso eles fodam, que faço?” “Avisa-me disso
              E num instante”, disse o asno, “estarei lá”.


António de Gouveia

Tradução de Ricardo da Cunha Lima, na Tese de Doutoramento apresentada na Universidade de São Paulo, Agosto de 2007, A presença clássica na poesia neolatina do humanista português António de Gouveia, online aqui.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Arte Poética, de Horácio




EPISTOLARUM - Liber alter
 I

Agricolae prisci, fortes paruoque beati,
condita post frumenta leuantes tempore festo               
corpus et ipsum animum spe finis dura ferentem,
cum sociis operum pueris et coniuge fida
Tellurem porco, Siluanum lacte piabant,
floribus et uino Genium memorem breuis aeui.
Fescennina per hunc inuenta licentia morem               
uersibus alternis opprobria rustica fudit,
libertasque recurrentis accepta per annos
lusit amabiliter, donec iam saeuos apertam
in rabiem coepit uerti iocus et per honestas
ire domos impune minax. Doluere cruento               
dente lacessiti, fuit intactis quoque cura
condicione super communi; quin etiam lex
poenaque lata, malo quae nollet carmine quemquam
describi; uertere modum, formidine fustis
ad bene dicendum delectandumque redacti.               
Graecia capta ferum uictorem cepit et artes
intulit agresti Latio; sic horridus ille
defluxit numerus Saturnius, et graue uirus
munditiae pepulere; sed in longum tamen aeuum
manserunt hodieque manent uestigia ruris.               
 Serus enim Graecis admouit acumina chartis
et post Punica bella quietus quaerere coepit,
quid Sophocles et Thespis et Aeschylos utile ferrent.
Temptauit quoque rem si digne uertere posset,
et placuit sibi, natura sublimis et acer;           
nam spirat tragicum satis et feliciter audet,
sed turpem putat inscite metuitque lituram.


Os antigos lavradores, rijos e contentes com pouco, depois de armazenarem os cereais, nos dias de festa aliviavam o cansaço do corpo e mesmo o espírito que se aguentara na esperança de ver um fim a tanto esforço, e era então, com os companheiros de trabalho, com os filhos moços e esposa fiel, que à deusa Terra, um porco sacrificavam, ofereciam a Silvano, leite, e flores e vinho ao Génio que esta consciente da brevidade da vida. Por meio desta cerimónia é que foi inventada a licenciosa poesia Fescenina, que espalha, em versos alternados, sarcasmos rústicos, e essa liberdade que se repetia foi bem aceite durante anos, pois brincava com simpatia, até que, já aberta ao rancor, principiou a transformar-se com remoques cruéis e, ameaçadora, foi passear-se impunemente por famílias honestas. Feridos pelo seu dente sanguinário, queixaram-se os atingidos, e mesmo os que o não tinham sido também se sentiram tocados pela preocupação geral, e daí aparecerem uma lei e um castigo, que não permitia que alguém fosse molestado por versos maldosos. Mudaram os poetas de maneiras, com medo das pauladas, e tiveram de recuar, escrevendo bem e dando prazer. Conquistada a Grécia, conquistou esta o seu feroz vencedor e levou as artes para o grosseiro Lácio. Assim se escoou aquele horrível verso satúrnio (*) e a limpeza varreu a pesada infecção, mas por muito tempo ali ficaram e ainda hoje existem vestígios da rusticidade. Já tarde, depois das guerras com os Cartagineses é que começou a ter tempo e a ver já tranquilo, o que Sófocles, Téspis e Esquilo lhe podiam oferecer de útil. Também tentou ver se conseguia decentemente adaptá-los, o que lhe agradou, sendo, por natureza, de alta craveira e vigoroso. Tem de facto inspiração trágica e atreve-se com habilidade, mas sem jeito, e julga vergonhosa qualquer emenda e dela tem medo.

(*) É um metro primitivo de que se serviu Lívio Andronico para traduzir Homero, e que pode ser apreciado na citada obra de Warmington, vol. II, pp. 1-43.


De Horácio, Arte Poética, Introdução, tradução e comentário de R.M. Rosado Fernandes, 4.ª Edição revista e aumentada, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, ISBN 978-972-31-1444-7