sábado, 25 de janeiro de 2014

Carmina, de Catulo



                    LXXIV

  Gellius audierat patruom obiurgare solere,
    Siquis delicias diceret aut faceret.
  Hoc ne ipsi accideret, patrui perdepsuit ipsam
    Vxorem et patruom reddidit Harpocratem.
  Quod voluit fecit: nam, quamvis inrumet ipsum                  
    Nunc patruom, verbum non faciet patruos.
  
Gélio ouvira dizer que seu tio costumava recriminar
quantos falassem do amor ou o fizessem.
Para que o mesmo não lhe acontecesse,
fodeu-lhe a própria esposa,
fazendo do tio um Harpócrates (*)
Atingiu o objectivo, pois mesmo que embroche o tio em pessoa,
nem uma só palavra este soltará.
(*) Divindade greco-egípcia, representada sob a forma dum rapaz levando um dedo à boca a impor silêncio.

                    LXXVIII
   Gallus habet fratres, quorumst lepidissima coniunx
    Alterius, lepidus filius alterius.
  Gallus homost bellus: nam dulces iungit amores,
    Cum puero ut bello bella puella cubet.
  Gallus homost stultus nec se videt esse maritum,              
    Qui patruos patrui monstret adulterium.

Tem Galo dois irmãos: um que possui mulher cheia de encantos,
e outro que é pai dum belo rapaz.
Galo é uma excelente criatura: doces desejos atrela,
atirando para a cama a bela mulher com o belo moço.
Ora Galo é tolo, porque não vê que ele próprio é marido, que, sondo tio,
ensina a desonrar um tio.

                    LXXX


  Quid dicam, Gelli, quare rosea ista labella
    Hiberna fiant candidiora nive,
  Mane domo cum exis et cum te octava quiete
    E molli longo suscitat hora die?
  Nescioquid certest: an vere fama susurrat                     
    Grandia te medii tenta vorare viri?
  Sic certest: clamant Victoris rupta miselli
    Ilia, et emulso labra notata sero.

Faz-me pensar, Gélio, porque é que esses teus lábios rosados
se tornam mais brancos que a neve de Inverno,
quando sais de casa pela manhã
e quando a oitava hora dum dia estival,
duma plácida sesta te desperta.
Não sei ao certo. Acaso, segundo é fama,
engoles másculas porras, anchas e tesas?
Sim, é mais que certo: proclamam-no
os derreados flancos do mísero Vítor
e teus lábios da langonha que ordenhas lambuzados.

                    LXXXIII

  Lesbia mi praesente viro mala plurima dicit:
    Haec illi fatuo maxima laetitiast.
  Mule, nihil sentis. si nostri oblita taceret,
    Sana esset: nunc quod gannit et obloquitur,
  Non solum meminit, sed quae multo acrior est res               
    Iratast. Hoc est, uritur et coquitur.


Na presença do marido, Lésbia injuria-me acerbamente,
O que àquele imbecil imensa alegria dá.
Cavalgadura, que nada percebes. Se ela se calasse,
esquecida de mim, era que estava curada;
agora como barafusta e vitupera,
não só me tem no pensamento, como,
o que é muito mais grave,
está rabiosa. Quer dizer: arde em desejos e expande-se.

                    LXXXVIII

  Quid facit is, Gelli, qui cum matre atque sorore
    Prurit et abiectis pervigilat tunicis?
  Quid facit is, patruom qui non sinit esse maritum?
    Ecqui scis quantum suscipiat sceleris?
  Suscipit, o Gelli, quantum non ultima Tethys                  
    Nec genitor lympharum abluit Oceanus:
  Nam nihil est quicquam sceleris, quo prodeat ultra,
    Non si demisso se ipse voret capite.

Ó Gélio, que faz aquele que, despida a camisa,
passa as noites em claro, enrolando-se na mãe e na irmã?
que faz aquele que impede o tio de fornicar?
Acaso te dás conta da enormidade de tal crime?
Tão grande, ó Gélio, que nem a longínqua Tétis,
nem Oceano, pai das Ninfas, poderão lavá-lo.
Pois não é possível ir mais além no crime,
ainda quando, alguém, de cabeça abaixada,
na boca o próprio caralho metesse.

                    LXXXIX

  Gellius est tenuis: quid ni? cui tam bona mater
    Tamque valens vivat tamque venusta soror
  Tamque bonus patruos tamque omnia plena puellis
    Cognatis, quare is desinat esse macer?
  Qui ut nihil attingit, nisi quod fas tangere non est,          
    Quantumvis quare sit macer invenies.



Gélio anda macilento. Como não?
Vivendo com mãe tao boa, tao vigorosa,
e com uma tão encantadora irmã,
um tio tão amável e tantas raparigas na família,
como pode ele deixar de magro estar?
Ainda que só com as interditas comércio tivesse,
razões de sobra houvera para andar magro.


XCVII

  Non (ita me di ament) quicquam referre putavi,
    Vtrumne os an culum olfacerem Aemilio.
  Nilo mundius hoc, niloque immundior ille,
    Verum etiam culus mundior et melior:
  Nam sine dentibus est: dentes os sesquipedales,                
    Gingivas vero ploxeni habet veteris,
  Praeterea rictum qualem diffissus in aestu
    Meientis mulae cunnus habere solet.
  Hic futuit multas et se facit esse venustum,
    Et non pistrino traditur atque asino?                       
  Quem siqua attingit, non illam posse putemus
    Aegroti culum lingere carnificis?

Julgo (perdoem-me! os deuses) ser ocioso reflectir
sobre se cheire a boca ou o cu a Emílio.
Aquela não é nada mais limpa,
este não é nada mais sujo,
mesmo assim, 0 seu cu é mais limpo e melhor,
pois dentes não tem. A boca dentes tem com pé e meio de comprido
e gengivas desconjuntadas como carroça velha,
além de espasmos como ter costuma o cone duma mula,
quando mija, arreganhado polo calor.
Tem muitas mulheres fodido e faz de galante.
E não o despacham para o moinho, fazendo companhia ao burro?
Mulher quo se deite com ele, não a julgaremos
capaz de lamber 0 cu a um carrasco doente?


                    XCIX

  Surripui tibi, dum ludis, mellite Iuventi,
    Suaviolum dulci dulcius ambrosia.
  Verum id non inpune tuli: namque amplius horam
    Suffixum in summa me memini esse cruce,
  Dum tibi me purgo nec possum fletibus ullis                   
    Tantillum vostrae demere saevitiae.
  Nam simul id factumst, multis diluta labella
    Abstersti guttis omnibus articulis,
  Ne quicquam nostro contractum ex ore maneret,
    Tamquam conmictae spurca saliva lupae.                     
  Praeterea infesto miserum me tradere Amori
    Non cessasti omnique excruciare modo,
  Vt mi ex ambrosia mutatum iam foret illud
    Suaviolum tristi tristius helleboro.
  Quam quoniam poenam misero proponis amori,                    
    Numquam iam posthac basia surripiam.


Meu doce Juvêncio, enquanto folgavas,
um beijinho to roubei, mais doce quo a doce ambrósia.
Mas não fiz com impunidade: pois mais duma hera, lembro-me,
pregado estive no alto duma cruz,
enquanto perante ti me justificava,
sem conseguir, um poucachinho sequer,
com minhas lágrimas tua crueldade vergar.
Ora mal te beijei, logo com todos os dedos limpaste
dos tens lábios a minha saliva,
para que da minha boca nada infecto a eles se colasse,
como se fosse a imunda saliva de puta brochista.
Depois, não cessaste de vincular este infeliz
ao hostil Amor e do toda a forma me atormentar,
a ponto de tal beijinho só me ter agora convertido
do ambrosíaco em mais ‘amargoso quo o amargo eléboro.
Já que tal castigo impões a meu mal-aventurado amor,
nunca mais, desde agora, beijo nenhum te roubarei.

                    CXI

  Aufilena, viro contentam vivere solo,
    Nuptarum laus e laudibus eximiis:
  Sed cuivis quamvis potius succumbere par est,
    Quam matrem fratres _efficere_ ex patruo.

Aufilena, com um único homem satisfeita viver,
é para uma esposa o mais alto galardão;
mas muito mais decente é que uma se ponha debaixo de qualquer,
do que ser mãe dos filhos de seu tio.

                    CXIII


  Consule Pompeio primum duo, Cinna, solebant
    Mucillam: facto consule nunc iterum
  Manserunt duo, sed creverunt milia in unum
    Singula. fecundum semen adulterio.

No primeiro consulado de Pompeio, ó Cina,
eram dois a Mecília montar.
Agora, nomeado cônsul pela segunda vez,
continuaram os dois, mas de cada um brotaram mil.
Fecunda é a semente do adultério.


Tradução de J. Lourenço de Carvalho em
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Carmina, de Catulo



                XXVIII

  Pisonis comites, cohors inanis
  Aptis sarcinulis et expeditis,
  Verani optime tuque mi Fabulle,
  Quid rerum geritis? satisne cum isto
  Vappa frigoraque et famem tulistis?                            
  Ecquidnam in tabulis patet lucelli
  Expensum, ut mihi, qui meum secutus
  Praetorem refero datum lucello
  'O Memmi, bene me ac diu supinum
  Tota ista trabe lentus inrumasti.'                            
  Sed, quantum video, pari fuistis
  Casu: nam nihilo minore verpa
  Farti estis. pete nobiles amicos.
  At vobis mala multa di deaeque
  Dent, opprobria Romulei Remique.   
                           

Ó adjuntos de Pisão, séquito de bolsa vazia,
com bagagem sumária e leveira,
excelente Verânio e meu caro Fabulo,
qua é feito de vós? Acaso, na companhia desse biltre,
fomes e frios padecestes?
E que raio de lucro é esse,
que nos vossos registos em despesas figura,
como a mim aconteceu, ao acompanhar o meu pretor,
lançando os gastos na coluna dos réditos?
Ah, Mémio, comigo debaixo de ti, a teu gosto e longamente,
com esse barrote inteiro, sereno me embrochaste!
Mas, por aquilo que vejo, a vossa desgraça igual a minha foi:
pois com uma porra nada menor vos atulharam.
Vá lá a gente arrimar-se a amigos ilustres!
E a vós, Pisão e Mémio, opróbrio dos Romanos,
que os deuses e as deusas vos carreguem de infortúnios.


                XXXII

  Amabo, mea dulcis Ipsithilla,
  Meae deliciae, mei lepores,
  Iube ad te veniam meridiatum.
  Et si iusseris illud, adiuvato,
  Nequis liminis obseret tabellam,                               
  Neu tibi lubeat foras abire,
  Sed domi maneas paresque nobis
  Novem continuas fututiones.
  Verum, siquid ages, statim iubeto:
  Nam pransus iaceo et satur supinus                            
  Pertundo tunicamque palliumque.



Eu te peço, minha doce Ipsitila,
meu amor, meus encantos,
deixa que vá contigo a sesta fazer.
E se consentires, atende a isto, por favor:
que ninguém ponha trancas à porta da rua,
e que não te dê na cabeça saíres;
anda, fica em casa e prepara-te
para darmos seguidas nove fodas.
Então, se és capaz, manda-me já chamar:
aqui estou, bem comido e pronto, deitado de barriga para cima,
De lado a lado a túnica e o manto perfurando.


                XXXIII

  O furum optime balneariorum
  Vibenni pater, et cinaede fili,
  (Nam dextra pater inquinatiore,
  Culo filius est voraciore)
  Cur non exilium malasque in oras                               
  Itis, quandoquidem patris rapinae
  Notae sunt populo, et natis pilosas,
  Fili, non potes asse venditare.



Ó rei dos ladrões dos balneários,
tu, pai Vibeno, e tu, ó filho, grande panasca
(pois só a dextra do pai é mais sórdida,
mais sôfrego é o cu do filho),
porque não abalais para terras malditas do exílio,
dado que os rapinanços do pai de todos são conhecidos,
e tu, seu filho, as nalgas peludas já. não podes
por um tostão à venda pôr.


                XXXVII

  Salax taberna vosque contubernales,
  ..........................................................
  Solis putatis esse mentulas vobis,
  Solis licere, quidquid est puellarum,
  Confutuere et putare ceteros hircos?                           
  An, continenter quod sedetis insulsi
  Centum an ducenti, non putatis ausurum
  Me una ducentos inrumare sessores?
  Atqui putate: namque totius vobis
  Frontem tabernae scorpionibus scribam.                        
  Puella nam mi, quae meo sinu fugit,
  Amata tantum quantum amabitur nulla,
  Pro qua mihi sunt magna bella pugnata,
  Consedit istic. hanc boni beatique
  Omnes amatis, et quidem, quod indignumst,                     
  Omnes pusilli et semitarii moechi;
  Tu praeter omnes une de capillatis,
  Cuniculosae Celtiberiae fili
  Egnati, opaca quem bonum facit barba
  Et dens Hibera defricatus urina.                              



O túrpido lupanar, e vós, contubernais,
……………………………………………………………….
convenceis-vos que sois os únicos a ter um caralho,
os únicos capazes de bem foder todas as mulheres,
acoimando os outros de rudes bodes mal-cheirosos?
por vos sentardes em fila cem ou duzentos idiotas,
achais que não sou capaz de embrochar
duzentos de vós, todos à uma?
Pois ficai sabendo que hei-de pintar
toda a fachada do vosso lupanar com signos obscenos.
E essa mulher que fugiu do meus braços,
e por mim amada como nenhuma o será. jamais,
por quem me bati em duros prélios,
vos tem feito companhia. Homens ricos e de estirpe,
todos vós com ela amor fazeis; mas na verdade, para sua vergonha,
não passais de bisbórrias e libertinos de viela.
Acima de todos, tu, Egnácio, modelo de cabeludos,
filho da Celtibéria farta em coelhos,
tu, a quem a barba espessa e os dentes, com urina ibérica esfregados
um ar de nobreza conferem.


                LVI

  Orem ridiculam, Cato, et iocosam
  Dignamque auribus et tuo cachinno.
  Ride, quidquid amas, Cato, Catullum:
  Res est ridicula et nimis iocosa.
  Deprendi modo pupulum puellae                                  
  Trusantem: hunc ego, si placet Dionae,
  Protelo rigida mea cecidi.

Catão, mas que absurda e divertida aventura,
digna de tua atenção e gargalhadas.
Ri-te, Catão, tanto quanto amas Catulo.
A coisa é pitoresca e muito divertida:
Acabo de surpreender um puto a empernar uma moça.
Então eu — que Dione (*) me perdoe —,
enrabei-o acto contínuo com a porra em acção.

(*) Vénus. Cf. Camöes, Os Lusíadas, II, 21 e 33. IX, 36.


                LVII

  Pulcre convenit inprobis cinaedis,
  Mamurrae pathicoque Caesarique.
  Nec mirum: maculae pares utrisque,
  Vrbana altera et illa Formiana,
  Inpressae resident nec eluentur:                               
  Morbosi pariter, gemelli utrique
  Vno in lectulo, erudituli ambo,
  Non hic quam ille magis vorax adulter,
  Rivales sociei puellularum.
  Pulcre convenit inprobis cinaedis.   

Completa é a harmonia entre esses panascas sem vergonha,
o Mamurra e o César paneleiros.
Nem admira: iguais mazelas os irmanam,
um na Urbe, outro em Fórmias;
estão neles incrustadas e ninguém as apagará.
Um e outro por igual gémeos no vicio,
para ambos um leito único, ambos sabichões,
não sendo este mais insofrido adúltero que aquele,
rivais e sócios nos amores.
Completa é a harmonia entre esses panascas sem vergonha.
  

Tradução de J. Lourenço de Carvalho em
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Carmina, de Catulo


              VII

  Quaeris, quot mihi basiationes
  Tuae, Lesbia, sint satis superque.
  Quam magnus numerus Libyssae arenae
  Lasarpiciferis iacet Cyrenis,
  Oraclum Iovis inter aestuosi                                  
  Et Batti veteris sacrum sepulcrum,
  Aut quam sidera multa, cum tacet nox,
  Furtivos hominum vident amores,
  Tam te basia multa basiare
  Vesano satis et super Catullost,                           
  Quae nec pernumerare curiosi
  Possint nec mala fascinare lingua.



Perguntas-me, Lésbia, quantos beijos em ti
serão bastantes para me saciar.
Ora quantos grãos de areia líbica sem conto,
juncando o solo de Cirene rica em sílfio,
entre o templo estuoso de Júpiter
e o sacro sepulcro do velho Bato (*),
ou quantas estrelas inumeráveis contemplam,
no silêncio da noite, os furtivos amores dos homens,
tantos os incontáveis beijos em tua boca
serão bastantes para saciar o desvairo de Catulo.
Que os indiscretos não possam somá-los
nem sua língua viperina feitiço causar (**).

(*) Bato, fundador de Cirene, seu primeiro rei.
(**) Ver a nota à composição V.



              VIII

  Miser Catulle, desinas ineptire,
  Et quod vides perisse perditum ducas.
  Fulsere quondam candidi tibi soles,
  Cum ventitabas quo puella ducebat
  Amata nobis quantum amabitur nulla,
  Ibi illa multa tum iocosa fiebant,
  Quae tu volebas nec puella nolebat.
  Fulsere vere candidi tibi soles.
  Nunc iam illa non vult: tu quoque, inpotens, noli
  Nec quae fugit sectare, nec miser vive,
  Sed obstinata mente perfer, obdura.
  Vale, puella. iam Catullus obdurat,
  Nec te requiret nec rogabit invitam:
  At tu dolebis, cum rogaberis nulla.
  Scelesta, vae te! quae tibi manet vita!                      
. Quis nunc te adibit? cui videberis bella?
  Quem nunc amabis? cuius esse diceris?
  Quem basiabis? cui labella mordebis?
  At tu, Catulle, destinatus obdura.



Meu pobre Catulo, não faças mais de parvo,
e dá como perdido o que perdido está.
Para ti brilharam outrora dias radiosos,
quando acorrias ao apelo da tua querida,
amada como jamais nenhuma outra o será.
Então nos entregávamos a copiosos brincos de amor.
Tudo que tu querias, ela não deixava de querer.
Sim, para ti brilharam dias radiosos.
Pois agora ela já não quer.
Faz tu da fraqueza forças: não queiras também;
não persigas quem te foge, não vivas amargurado,
mas aguenta com ânimo forte, endurece o coração.
Adeus, mulher. Catulo agora tomou resolução:
não te irá procurar nem solicitar contra tua vontade.
Mas tu vais sofrer, quando não te quiserem para nada.
Ai de ti, desgraçada, que vida é que te espera?
Quem te frequentará então? Quem apreciará tua beleza?
A quem amarás então? De quem se dirá que és?
Quem beijarás? A quem morderás na boca?
Mas tu, Catulo, aguenta com firmeza.


              XI

  Furi et Aureli, comites Catulli,
  Sive in extremos penetrabit Indos,
  Litus ut longe resonante Eoa
            Tunditur unda,
  Sive in Hyrcanos Arabesve molles,
  Seu Sacas sagittiferosve Parthos,
  Sive qua septemgeminus colorat
            Aequora Nilus,
  Sive trans altas gradietur Alpes,
  Caesaris visens monimenta magni,                              
  Gallicum Rhenum, horribile aequor ulti-
            mosque Britannos,
  Omnia haec, quaecumque feret voluntas
  Caelitum, temptare simul parati,
  Pauca nuntiate meae puellae                                   
            Non bona dicta.
  Cum suis vivat valeatque moechis,
  Quos simul conplexa tenet trecentos,
  Nullum amans vere, sed identidem omnium
            Ilia rumpens:                                       
  Nec meum respectet, ut ante, amorem,
  Qui illius culpa cecidit velut prati
  Vltimi flos, praeter eunte postquam
            Tactus aratrost.



Ó Fúrio, ó Aurélio, vós que vos ofereceis para Catulo acompanhar,
…………………………………………………………………….
prontos a com ele todos estes perigos afrontar,
e outros que a vontade dos deuses reservar,
levai até junto da minha amiga
estas breves e nada gratas palavras:
Pois que viva feliz com seus amásios,
os trezentos que ela serve ao mesmo tempo,
não amando, é certo, nenhum deles,
mas estoirando, de contínuo, com as cadeiras a todos;
que não conte, como dantes, com o meu amor,
que morreu, por culpa sua,
como à borda do prado a flor
ferida pelo arado que passa.



              XV

  Commendo tibi me ac meos amores,
  Aureli. veniam peto pudentem,
  Vt, si quicquam animo tuo cupisti,
  Quod castum expeteres et integellum,
  Conserves puerum mihi pudice,                                  
  Non dico a populo: nihil veremur
  Istos, qui in platea modo huc modo illuc
  In re praetereunt sua occupati:
  Verum a te metuo tuoque pene
  Infesto pueris bonis malisque.                                
  Quem tu qua lubet, ut iubet, moveto,
  Quantum vis, ubi erit foris, paratum:
  Hunc unum excipio, ut puto, pudenter.
  Quod si te mala mens furorque vecors
  In tantam inpulerit, sceleste, culpam,                        
  Vt nostrum insidiis caput lacessas,
  A tum te miserum malique fati,
  Quem attractis pedibus patente porta
  Percurrent raphanique mugilesque.


Aurélio, a minha felicidade em tuas mãos deponho.
Um pequeno favor te peço:
Se do fundo de alma, a alguém quiseste,
que desejaras casto e não tocado,
defende-me a virtude deste mancebo,
não das investidas do vulgo (nada receio
daqueles que na praça se movem dum lado
para o outro, em seus negócios ocupados),
mas é precisamente a ti que eu temo e ao teu caralho,
infesto a rapazes castos e viciados.
Põe-no em acção onde te agrade, como te agrade,
quanto queiras, todas as vezes que ele te saia das encolhas armado.
Creio-me razoável, só este exceptuando.
Mas se a tua loucura e uma paixão insana
te propelirem, celerado, para tamanho crime,
corrompendo, traiçoeiro, o objecto de meus cuidados,
então, ai de ti, mísero de má fortuna!
Com as pernas afastadas, pelo cu às escâncaras,
te enfiarei rábanos e rodovalhos (*).

(*) Castigo aplicado aos adúlteros. Catulo coloca-se na situação de marido ultrajado.





Tradução de J. Lourenço de Carvalho em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975