sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Carmina, de Catulo


              VII

  Quaeris, quot mihi basiationes
  Tuae, Lesbia, sint satis superque.
  Quam magnus numerus Libyssae arenae
  Lasarpiciferis iacet Cyrenis,
  Oraclum Iovis inter aestuosi                                  
  Et Batti veteris sacrum sepulcrum,
  Aut quam sidera multa, cum tacet nox,
  Furtivos hominum vident amores,
  Tam te basia multa basiare
  Vesano satis et super Catullost,                           
  Quae nec pernumerare curiosi
  Possint nec mala fascinare lingua.



Perguntas-me, Lésbia, quantos beijos em ti
serão bastantes para me saciar.
Ora quantos grãos de areia líbica sem conto,
juncando o solo de Cirene rica em sílfio,
entre o templo estuoso de Júpiter
e o sacro sepulcro do velho Bato (*),
ou quantas estrelas inumeráveis contemplam,
no silêncio da noite, os furtivos amores dos homens,
tantos os incontáveis beijos em tua boca
serão bastantes para saciar o desvairo de Catulo.
Que os indiscretos não possam somá-los
nem sua língua viperina feitiço causar (**).

(*) Bato, fundador de Cirene, seu primeiro rei.
(**) Ver a nota à composição V.



              VIII

  Miser Catulle, desinas ineptire,
  Et quod vides perisse perditum ducas.
  Fulsere quondam candidi tibi soles,
  Cum ventitabas quo puella ducebat
  Amata nobis quantum amabitur nulla,
  Ibi illa multa tum iocosa fiebant,
  Quae tu volebas nec puella nolebat.
  Fulsere vere candidi tibi soles.
  Nunc iam illa non vult: tu quoque, inpotens, noli
  Nec quae fugit sectare, nec miser vive,
  Sed obstinata mente perfer, obdura.
  Vale, puella. iam Catullus obdurat,
  Nec te requiret nec rogabit invitam:
  At tu dolebis, cum rogaberis nulla.
  Scelesta, vae te! quae tibi manet vita!                      
. Quis nunc te adibit? cui videberis bella?
  Quem nunc amabis? cuius esse diceris?
  Quem basiabis? cui labella mordebis?
  At tu, Catulle, destinatus obdura.



Meu pobre Catulo, não faças mais de parvo,
e dá como perdido o que perdido está.
Para ti brilharam outrora dias radiosos,
quando acorrias ao apelo da tua querida,
amada como jamais nenhuma outra o será.
Então nos entregávamos a copiosos brincos de amor.
Tudo que tu querias, ela não deixava de querer.
Sim, para ti brilharam dias radiosos.
Pois agora ela já não quer.
Faz tu da fraqueza forças: não queiras também;
não persigas quem te foge, não vivas amargurado,
mas aguenta com ânimo forte, endurece o coração.
Adeus, mulher. Catulo agora tomou resolução:
não te irá procurar nem solicitar contra tua vontade.
Mas tu vais sofrer, quando não te quiserem para nada.
Ai de ti, desgraçada, que vida é que te espera?
Quem te frequentará então? Quem apreciará tua beleza?
A quem amarás então? De quem se dirá que és?
Quem beijarás? A quem morderás na boca?
Mas tu, Catulo, aguenta com firmeza.


              XI

  Furi et Aureli, comites Catulli,
  Sive in extremos penetrabit Indos,
  Litus ut longe resonante Eoa
            Tunditur unda,
  Sive in Hyrcanos Arabesve molles,
  Seu Sacas sagittiferosve Parthos,
  Sive qua septemgeminus colorat
            Aequora Nilus,
  Sive trans altas gradietur Alpes,
  Caesaris visens monimenta magni,                              
  Gallicum Rhenum, horribile aequor ulti-
            mosque Britannos,
  Omnia haec, quaecumque feret voluntas
  Caelitum, temptare simul parati,
  Pauca nuntiate meae puellae                                   
            Non bona dicta.
  Cum suis vivat valeatque moechis,
  Quos simul conplexa tenet trecentos,
  Nullum amans vere, sed identidem omnium
            Ilia rumpens:                                       
  Nec meum respectet, ut ante, amorem,
  Qui illius culpa cecidit velut prati
  Vltimi flos, praeter eunte postquam
            Tactus aratrost.



Ó Fúrio, ó Aurélio, vós que vos ofereceis para Catulo acompanhar,
…………………………………………………………………….
prontos a com ele todos estes perigos afrontar,
e outros que a vontade dos deuses reservar,
levai até junto da minha amiga
estas breves e nada gratas palavras:
Pois que viva feliz com seus amásios,
os trezentos que ela serve ao mesmo tempo,
não amando, é certo, nenhum deles,
mas estoirando, de contínuo, com as cadeiras a todos;
que não conte, como dantes, com o meu amor,
que morreu, por culpa sua,
como à borda do prado a flor
ferida pelo arado que passa.



              XV

  Commendo tibi me ac meos amores,
  Aureli. veniam peto pudentem,
  Vt, si quicquam animo tuo cupisti,
  Quod castum expeteres et integellum,
  Conserves puerum mihi pudice,                                  
  Non dico a populo: nihil veremur
  Istos, qui in platea modo huc modo illuc
  In re praetereunt sua occupati:
  Verum a te metuo tuoque pene
  Infesto pueris bonis malisque.                                
  Quem tu qua lubet, ut iubet, moveto,
  Quantum vis, ubi erit foris, paratum:
  Hunc unum excipio, ut puto, pudenter.
  Quod si te mala mens furorque vecors
  In tantam inpulerit, sceleste, culpam,                        
  Vt nostrum insidiis caput lacessas,
  A tum te miserum malique fati,
  Quem attractis pedibus patente porta
  Percurrent raphanique mugilesque.


Aurélio, a minha felicidade em tuas mãos deponho.
Um pequeno favor te peço:
Se do fundo de alma, a alguém quiseste,
que desejaras casto e não tocado,
defende-me a virtude deste mancebo,
não das investidas do vulgo (nada receio
daqueles que na praça se movem dum lado
para o outro, em seus negócios ocupados),
mas é precisamente a ti que eu temo e ao teu caralho,
infesto a rapazes castos e viciados.
Põe-no em acção onde te agrade, como te agrade,
quanto queiras, todas as vezes que ele te saia das encolhas armado.
Creio-me razoável, só este exceptuando.
Mas se a tua loucura e uma paixão insana
te propelirem, celerado, para tamanho crime,
corrompendo, traiçoeiro, o objecto de meus cuidados,
então, ai de ti, mísero de má fortuna!
Com as pernas afastadas, pelo cu às escâncaras,
te enfiarei rábanos e rodovalhos (*).

(*) Castigo aplicado aos adúlteros. Catulo coloca-se na situação de marido ultrajado.





Tradução de J. Lourenço de Carvalho em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

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