LXXIV
  Gellius audierat patruom obiurgare solere,
    Siquis delicias diceret aut faceret.
  Hoc ne ipsi accideret, patrui perdepsuit ipsam
    Vxorem et patruom reddidit Harpocratem.
  Quod voluit fecit: nam, quamvis inrumet ipsum                  
    Nunc patruom, verbum non faciet patruos.
Gélio ouvira dizer que seu tio costumava
recriminar 
quantos falassem do amor ou o fizessem. 
Para que o mesmo não lhe acontecesse, 
fodeu-lhe a própria esposa, 
fazendo do tio um Harpócrates
(*) 
Atingiu o objectivo, pois mesmo que embroche o tio
em pessoa, 
nem
uma só palavra este soltará. 
(*)
Divindade greco-egípcia,
representada sob a forma dum
rapaz levando um dedo à boca a impor silêncio. 
                    LXXVIII 
   Gallus habet fratres, quorumst lepidissima
coniunx
 
  Alterius, lepidus filius alterius.
  Gallus homost bellus: nam dulces iungit amores,
    Cum puero ut bello bella puella cubet.
  Gallus homost stultus nec se videt esse maritum,              
    Qui patruos patrui monstret adulterium.
Tem
Galo dois irmãos: um que possui mulher cheia de encantos, 
e outro que é pai dum belo rapaz. 
Galo é uma excelente criatura: doces desejos
atrela, 
atirando para a cama a
bela mulher com o belo moço.
Ora Galo é tolo, porque não vê que ele próprio é
marido, que, sondo tio, 
ensina a desonrar um
tio. 
                    LXXX
  Quid dicam, Gelli, quare rosea ista labella
    Hiberna fiant candidiora nive,
  Mane domo cum exis et cum te octava quiete
    E molli longo suscitat hora die?
  Nescioquid certest: an vere fama susurrat                     
    Grandia te medii tenta vorare viri?
  Sic certest: clamant Victoris rupta miselli
    Ilia, et emulso labra notata sero.
Faz-me pensar, Gélio,
porque é que esses teus lábios rosados 
se tornam mais brancos que a neve de Inverno, 
quando
sais de casa pela manhã 
e
quando a oitava hora dum dia estival, 
duma
plácida sesta te desperta. 
Não
sei ao certo. Acaso, segundo é fama, 
engoles
másculas porras, anchas e tesas? 
Sim,
é mais que certo: proclamam-no 
os
derreados flancos do mísero Vítor 
e
teus lábios da langonha que ordenhas lambuzados. 
                    LXXXIII 
  Lesbia mi praesente viro mala plurima dicit:
    Haec illi fatuo maxima laetitiast.
  Mule, nihil sentis. si nostri oblita taceret,
    Sana esset: nunc quod gannit et obloquitur,
  Non solum meminit, sed quae multo acrior est res               
    Iratast. Hoc est, uritur et coquitur.
Na
presença do marido, Lésbia injuria-me acerbamente, 
O que àquele imbecil imensa alegria dá. 
Cavalgadura,
que nada percebes. Se ela se calasse, 
esquecida
de mim, era que estava curada; 
agora
como barafusta e vitupera, 
não
só me tem no pensamento, como, 
o
que é muito mais grave, 
está
rabiosa. Quer dizer: arde em desejos e expande-se. 
                    LXXXVIII
  Quid facit is, Gelli, qui cum matre atque sorore
    Prurit et abiectis pervigilat tunicis?
  Quid facit is, patruom qui non sinit esse maritum?
    Ecqui scis quantum suscipiat sceleris?
  Suscipit, o Gelli, quantum non ultima Tethys                  
    Nec genitor lympharum abluit Oceanus:
  Nam nihil est quicquam sceleris, quo prodeat ultra,
    Non si demisso se ipse voret capite.
Ó
Gélio, que faz aquele que, despida a camisa, 
passa
as noites em claro, enrolando-se na mãe e na irmã? 
que
faz aquele que impede o tio de fornicar? 
Acaso
te dás conta da enormidade de tal crime?
Tão
grande, ó Gélio, que nem a longínqua Tétis, 
nem
Oceano, pai das Ninfas, poderão lavá-lo. 
Pois
não é possível ir mais além no crime, 
ainda
quando, alguém, de cabeça abaixada, 
na
boca o próprio caralho metesse. 
                    LXXXIX
  Gellius est tenuis: quid ni? cui tam bona mater
    Tamque valens vivat tamque venusta soror
  Tamque bonus patruos tamque omnia plena puellis
    Cognatis, quare is desinat esse macer?
  Qui ut nihil attingit, nisi quod fas tangere non est,          
    Quantumvis quare sit macer invenies.
Gélio
anda macilento. Como não? 
Vivendo
com mãe tao boa, tao vigorosa, 
e
com uma tão encantadora irmã, 
um
tio tão amável e tantas raparigas na família,
como
pode ele deixar de magro estar? 
Ainda
que só com as interditas comércio tivesse, 
razões
de sobra houvera para andar magro. 
XCVII
  Non (ita me di ament) quicquam referre putavi,
    Vtrumne os an culum olfacerem Aemilio.
  Nilo mundius hoc, niloque immundior ille,
    Verum etiam culus mundior et melior:
  Nam sine dentibus est: dentes os sesquipedales,                
    Gingivas vero ploxeni habet veteris,
  Praeterea rictum qualem diffissus in aestu
    Meientis mulae cunnus habere solet.
  Hic futuit multas et se facit esse venustum,
    Et non pistrino traditur atque asino?                       
  Quem siqua attingit, non illam posse putemus
    Aegroti culum lingere carnificis?
Julgo
(perdoem-me! os deuses) ser ocioso reflectir 
sobre
se cheire a boca ou o cu a Emílio. 
Aquela
não é nada mais limpa, 
este
não é nada mais sujo, 
mesmo
assim, 0 seu cu é mais limpo e melhor, 
pois
dentes não tem. A boca dentes tem com pé e meio de comprido 
e
gengivas desconjuntadas como carroça velha, 
além
de espasmos como ter costuma o cone duma mula, 
quando
mija, arreganhado polo calor. 
Tem
muitas mulheres fodido e faz de galante. 
E
não o despacham para o moinho, fazendo companhia ao burro? 
Mulher
quo se deite com ele, não a julgaremos 
capaz
de lamber 0 cu a um carrasco doente? 
                    XCIX
  Surripui tibi, dum ludis, mellite Iuventi,
    Suaviolum dulci dulcius ambrosia.
  Verum id non inpune tuli: namque amplius horam
    Suffixum in summa me memini esse cruce,
  Dum tibi me purgo nec possum fletibus ullis                   
    Tantillum vostrae demere saevitiae.
  Nam simul id factumst, multis diluta labella
    Abstersti guttis omnibus articulis,
  Ne quicquam nostro contractum ex ore maneret,
    Tamquam conmictae spurca saliva lupae.                     
  Praeterea infesto miserum me tradere Amori
    Non cessasti omnique excruciare modo,
  Vt mi ex ambrosia mutatum iam foret illud
    Suaviolum tristi tristius helleboro.
  Quam quoniam poenam misero proponis amori,                    
    Numquam iam posthac basia surripiam.
Meu
doce Juvêncio, enquanto folgavas, 
um
beijinho to roubei, mais doce quo a doce ambrósia. 
Mas
não fiz com impunidade: pois mais duma hera, lembro-me, 
pregado
estive no alto duma cruz, 
enquanto
perante ti me justificava, 
sem
conseguir, um poucachinho sequer, 
com
minhas lágrimas tua crueldade vergar. 
Ora
mal te beijei, logo com todos os dedos limpaste 
dos
tens lábios a minha saliva, 
para
que da minha boca nada infecto a eles se colasse, 
como
se fosse a imunda saliva de puta brochista. 
Depois,
não cessaste de vincular este infeliz 
ao
hostil Amor e do toda a forma me atormentar, 
a
ponto de tal beijinho só me ter agora convertido 
do
ambrosíaco em mais ‘amargoso quo o amargo eléboro. 
Já
que tal castigo impões a meu mal-aventurado amor, 
nunca
mais, desde agora, beijo nenhum te roubarei. 
                    CXI
  Aufilena, viro contentam vivere solo,
    Nuptarum laus e laudibus eximiis:
  Sed cuivis quamvis potius succumbere par est,
    Quam matrem fratres _efficere_ ex patruo.
Aufilena,
com um único homem satisfeita viver, 
é
para uma esposa o mais alto galardão; 
mas
muito mais decente é que uma se ponha debaixo de qualquer, 
do
que ser mãe dos filhos de seu tio. 
                    CXIII
  Consule Pompeio primum duo, Cinna, solebant
    Mucillam: facto consule nunc iterum
  Manserunt duo, sed creverunt milia in unum
    Singula. fecundum semen adulterio.
No
primeiro consulado de Pompeio, ó Cina, 
eram
dois a Mecília montar. 
Agora,
nomeado cônsul pela segunda vez, 
continuaram
os dois, mas de cada um brotaram mil. 
Fecunda
é a semente do adultério. 
Tradução de J. Lourenço de Carvalho em
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975
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