segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Epigramas, de Marcial



                              X,55

 Arrectum quotiens Marulla penem
 Pensavit digitis diuque mensa est,
 Libras, scripula sextulasque dicit;
 Idem post opus et suas palaestras
 Loro cum similis iacet remisso,
 Quanto sit levior Marulla dicit.
 Non ergo est manus ista, sed statera. 


Marula, sempre que uma picha tesa
sopesou entre os dedos e com cuidado a mediu
diz quanto pesa em gramas, centigramas, miligramas.
Quando após o serviço, terminada a brincadeira,
a “coisa” tomba semelhante a correia desapertada,
Marula sabe dizer quanto peso ela perdeu.

                                  XI,21

 Lydia tam laxa est, equitis quam culus aheni,
 Quam celer arguto qui sonat aere trochus,
 Quam rota transmisso totiens inpacta petauro,
 Quam vetus a crassa calceus udus aqua,
 Quam quae rara vagos expectant retia turdos,
 Quam Pompeiano vela negata noto,
 Quam quae de pthisico lapsa est armilla cinaedo,
 Culcita Leuconico quam viduata suo,
 Quam veteres bracae Brittonis pauperis, et quam
 Turpe Ravennatis guttur onocrotali.
 
Hanc in piscina dicor futuisse marina.
 Nescio; piscinam me futuisse puto.


Lídia está mais gasta que o cu de brônzeo cavalo,
que o rápido arco de ferro que soa sob a varinha,
que o círculo por onde passa sem lhe tocar o acrobata no arame,
que um sapato velho ensopado em água suja,
que as redes de largas malhas para caçar os tordos migradores,
que o toldo que protege do vento o teatro de Pompeio,
que o bracelete caldo do braço dum panasca tisico,
que o pano dum colchão esvaziado de lã,
que as calças velhas dalgum pobre bretão,
que a goela imunda dum pelicano de Ravena.
Dizem que eu a fodi numa piscina de água salgada:
não sei, mais me parece ter fodido a piscina!

                                 XI,40

 Formosam Glyceran amat Lupercus
 Et solus tenet imperatque solus.
 Quam toto sibi mense non fututam
 Cum tristis quereretur et roganti
 Causam reddere vellet Aeliano,
 Respondit, Glycerae dolere dentes.


Luperco está de amores pela bela Glicera,
ele só a possui, ele é o seu senhor.
Porém amargamente se lamenta
de a não foder há  já um mês inteiro.
Pergunta-lhe um amigo a razão de tal facto:
“Glicera”, responde ele, “anda com dores de dentes!”

                                      XI,47
 Omnia femineis quare dilecta catervis
 Balnea devitat Lattara? Ne futuat.
 Cur nec Pompeia lentus spatiatur in umbra,
 Nec petit Inachidos limina? Ne futuat.
 Cur Lacedaemonio luteum ceromate corpus
 Perfundit gelida Virgine? Ne futuat.
 Cum sic feminei generis contagia vitet,
 Cur lingit cunnum Lattara?
Ne futuat.

Por que motivo evita Blátara os balneários predilectos
das massas femininas? É para não foder.
Por que motivo não passeia a sombra do pórtico de Pompeio
nem se aproxima do templo de Io? É para não foder.
Por que motivo mergulha o corpo untado de espartanos unguentos
na água gelada da fonte da Virgem? É para não foder.
Por que motivo, se tanto evita o contacto feminil,
Blátara é um lambe-conas? É para não foder!...

                                           XI,62

 Lesbia se iurat gratis numquam esse fututam.
 Verum est. Cum futui vult, numerare solet. 

Lésbia jura que nunca a foderam de graça.
Tem razão: quando quer que a fodam... Lésbia paga!



Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Epigramas, de Marcial



VII, 67

Pedicat pueros tribas Philaenis
Et tentigine saevior mariti
Undenas dolat in die puellas.
Harpasto quoque subligata ludit,
Et flavescit haphe, gravesque draucis
Halteras facili rotat lacerto,
Et putri lutulenta de palaestra
Uncti verbere vapulat magistri:
Nec cenat prius aut recumbit ante,
Quam septem vomuit meros deunces;
Ad quos fas sibi tunc putat redire,
Cum coloephia sedecim comedit.
Post haec omnia cum libidinatur,
Non fellat - putat hoc parum virile -,
Sed plane medias vorat puellas.
Di mentem tibi dent tuam, Philaeni,
Cunnum lingere quae putas virile.

Filénis, mulher-homem, enraba putos 
e, mais ardente que um macho entesado, 
devora por dia onze raparigas. 
De saia arregaçada, joga a bola, 
coberta de pó, e com braço fácil 
maneja halteres pesados para maricas. 
Da palestra poeirenta sai enlameada, 
e submete-se as pancadas e ao óleo do massagista. 
Não janta, não se reclina junto a mesa 
sem antes vomitar umas boas litradas, 
e outro tanto se dispõe desde logo a beber
mal engole dúzia e meia de almôndegas (*)• 
Depois de tudo isto, quando volta ao deboche, 
não brocha (acto que julga pouco viril), 
mas põe-se a devorar a sexo as raparigas. 
Possam os deuses, Filénis, restituir-te o juízo,
tu que achas próprio de homens lamber conas! 

(*) Trata-se de umas almôndegas de carne, alimento próprio dos atletas. 

IX, 4
Aureolis futui cum possit Galla duobus
Et plus quam futui, si totidem addideris:
Aureolos a te cur accipit, Aeschyle, denos?
Non fellat tanti Galla. Quid ergo? Tacet.

Por dois dinheiros de ouro pode-se foder Gala, 
e por outros dois pode-se fazer mais ainda que foder.
Porquê, então, Ésquilo, tu lhe dás dez dinheiros de ouro?
Gala brocha por menos. Porquê então? Para que se cale! 


IX, 27

Cum depilatos, Chreste, coleos portes
Et vulturino mentulam parem collo
Et prostitutis levius caput culis,
Nec vivat ullus in tuo pilus crure,
Purgentque saevae cana labra volsellae:
Curios, Camillos, Quintios, Numas, Ancos,
Et quidquid umquam legimus pilosorum
Loqueris sonasque grandibus minax verbis,
Et cum theatris saeculoque rixaris.
Occurrit aliquis inter ista si draucus,
Iam paedagogo liberatus et cuius
Refibulavit turgidum faber penem:
Nutu vocatum ducis, et pudet fari
Catoniana, Chreste, quod facis lingua. 



Apesar, o Cresto, de teres os colhões depilados, 
um caralho que parece um pescoço de abutre, 
uma cabeça mais lisa que cu de prostituta, 
de não teres nas pernas o mais ligeiro pêlo, 
de sempre aos lábios brancos aplicares a pinça, 
falas constantemente em Cúrios e Camilos, 
em Quíncios, Numas e Ancos, esses heróis cabeludos
de que os livros estão cheios, e com palavras duras 
lanças ameaças e investes com teatros e modas! 
Mas se acaso te surge a frente algum panasca 
recém-saído das mãos do pedagogo, 
cujo pénis já inchado o técnico soltou (**), 
logo o chamas e o levas, e... Quase tenho vergonha, ó Cresto,
de dizer o que faz essa tua língua de Catão! 

(**) Isto é, libertou duma espécie de data de castidade que se punha aos rapazes para evitar o onanismo.

IX, 37

Cum sis ipsa domi mediaque ornere Subura,
Fiant absentes et tibi, Galla, comae,
Nec dentes aliter quam Serica nocte reponas,
Et iaceas centum condita pyxidibus,
Nec tecum facies tua dormiat, innuis illo,
Quod tibi prolatum est mane, supercilio,
Et te nulla movet cani reverentia cunni,
Quem potes inter avos iam numerare tuos.
Promittis sescenta tamen; sed mentula surda est,
Et sit lusca licet, te tamen illa videt. 


Enquanto estás em casa, ó Gala, fazem-te a maquilhagem
em plena Suburra, aprestam-te os cabelos postiços; 
cada noite, ao tirar a túnica tiras também os dentes;
jazes escondida em cem caixinhas de madeira! 
O teu próprio rosto não dorme contigo. Bates-me 
uma pestana que te tiram pela manhã da caixa, 
e não te envergonha exibir uma cona encanecida 
que muito bem podias contar entre os teus antepassados! 
Prometes-me infindos gozos; mas o meu caralho não te ouve,
e, embora seja vesgo, vê bem o que tu vales! 




IX, 69


Cum futuis, Polycharme, soles in fine cacare.
Cum pedicaris, quid, Polycharme, facis?


Quando acabas de foder, Policarmo, costumas ir cagar. 
Mas que fazes tu, Policarmo, quando acabam de enrabar-te?... 


X, 40
Semper cum mihi diceretur esse
Secreto mea Polla cum cinaedo,
Inrupi, Lupe. Non erat cinaedus. 

Andavam sempre a dizer-me que Pola, a minha amante,
dormia às escondidas com um panasca. Ah!, meu caro Zupo,
apanhei-os em flagrante... mas não era panasca!

Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Epigramas, de Marcial


                                  III,68

Huc est usque tibi scriptus, matrona, libellus.
Cui sint scripta, rogas, interiora? mihi.
Gymnasium, thermae, stadium est hac parte: recede.
Exuimur: nudos parce videre viros.
Hinc iam deposito post vina rosasque pudore,
Quid dicat, nescit saucia Terpsichore:
Schemate nec dubio, sed aperte nominat illam,
Quam recipit sexto mense superba Venus,
Custodem medio statuit quam vilicus horto,
Opposita spectat quam proba virgo manu.
Si bene te novi, longum iam lassa libellum
Ponebas, totum nunc studiosa leges. 


Até aqui, digna matrona, foi escrito para ti este livrinho.
— “E os poemas seguintes, para quem os escreveste?” — Para mim!
Deste lado encontram-se o ginásio, as termas, o estádio.  Afasta-te!
Vamos despir-nos. Não queiras ver homens nus.
Desde agora, sem qualquer pudor — já veio o vinho e as rosas!—
a ébria Terpsicore já nem sabe o que diz.
Sem metáforas, abertamente falará “daquela coisa”
que no mês de Agosto Vénus acolhe dentro de si,
“aquilo” que o hortelão põe de guarda ao pomar (*),
e que casta donzela não vê sem logo o rosto cobrir.
Se bem te conheço, tu que já te cansavas dum livro tão grande
e ias pô-lo de lado, irás agora pressurosa lê-lo ate ao fim!

(*) Príapo, ou melhor, o seu célebre e descomunal atributo!

III, 80
De nullo loqueris, nulli maledicis, Apici:
Rumor ait linguae te tamen esse malae.


De ninguém te queixas, Apício, nem maldizes ninguém,
mas corre o boato de que tens cá uma língua!...

III, 81
Quid cum femineo tibi, Baetice Galle, barathro?
Haec debet medios lambere lingua viros.
Abscisa est quare Samia tibi mentula testa,
Si tibi tam gratus, Baetice, cunnus erat?
Castrandum caput est: nam sis licet inguine Gallus,
Sacra tamen Cybeles decipis: ore vir es. 

Bético eunuco, que te interessam as profundezas femininas?
Tua língua só devia servir para lamber pichas!
Por que cortaste o caralho com um caco de Samos,
Bético, se afinal tanto gostavas de cona?
Tens de castrar a cabeça, pois se nas virilhas és eunuco,
enganas mesmo assim Cibele: és viril pela boca!

IV, 43
Non dixi, Coracine, te cinaedum:
Non sum tam temerarius nec audax
Nec mendacia qui loquar libenter.
Si dixi, Coracine, te cinaedum,
Iratam mihi Pontiae lagonam,
Iratum calicem mihi Metili:
Iuro per Syrios tibi tumores,
Iuro per Berecyntios furores.
Quid dixi tamen? Hoc leve et pusillum,
Quod notum est, quod et ipse non negabis
,Dixi te, Coracine, cunnilingum. 

Nunca disse, ó Coracino, que tu fosses panasca:
não sou tão temerário ou descarado
que me ponha a mentir sem mais aquelas!
Se eu disse, ó Coracino, que tu eras panasca,
que me destrua o frasco de veneno de Pôntia,
que me destrua o cálice de veneno de Metílio.
Juro-te pelos inchaços sírios,
juro-te pelos furores berecíntios! (* )
O que eu de facto disse, é coisa sem importância,
de todos conhecida, que nem tu mesmo negarás:
só disse que és, Coracino, um lambe-conas!

(*) Alusão ao culto asiático de Cibele, e aos seus sacerdotes eunucos.


IV, 85
Non est in populo nec urbe tota,
A se Thaida qui probet fututam,
Cum multi cupiant rogentque multi.
Tam casta est, rogo, Thais? Immo fellat. 

Nenhum homem, de todos os que em Roma habitam,
poderá garantir que Tais já fodeu.
E muitos são os que a desejam e requestam.
“Quê? Tão casta é Tais?” — Não, ela só brocha!

VII, 30
Das Parthis, das Germanis, das, Caelia, Dacis,
Nec Cilicum spernis Cappadocumque toros;
Et tibi de Pharia Memphiticus urbe fututor
Navigat, a rubris et niger Indus aquis;
Nec recutitorum fugis inguina Iudaeorum,
Nec te Sarmatico transit Alanus equo.
Qua ratione facis, cum sis Romana puella.
Quod Romana tibi mentula nulla placet?

Entregas-te, ó Célia, a Partos, a Germanos, a Dácios
e não desdenhas deitar-te com Cílices ou Capadócios;
para te foder navegam Egípcios de Faros,
e vêm do mar Vermelho negros Indianos;
não te negas ao órgão circunciso dos Judeus
e o Alano em seu cavalo sármata não passa por ti em vão.
Mas, sendo tu Romana, por que bulas
é que nunca te agrada um caralho romano?!



Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Epigramas, de Marcial



                                    I, 97

Si non molestum est teque non piget, scazon,
Nostro rogamus pauca verba Materno
Dicas in aurem sic ut audiat solus.
Amator ille tristium lacernarum
Et baeticatus atque leucophaeatus,
Qui coccinatos non putat viros esse
Amethystinasque mulierum vocat vestes,
Nativa laudet, habeat et licet semper
Fuscos colores, galbinos habet mores.
Rogabit, unde suspicer virum mollem.
Una lavamur: aspicit nihil sursum,
Sed spectat oculis devorantibus draucos
Nec otiosis mentulas videt labris.
Quaeris quis hic sit? Excidit mihi nomen. 



Se a coisa te não maça ou enfastia, escazonte (*),
eu te peço, ao meu caro Materno estas breves palavras
diz ao ouvido, de modo que apenas ele as oiça.
Aquele apreciador de capotes sombrios,
que se veste de lã e de trajes cinzentos,
que chama aos que usam roupas vermelhas maricas
e acha os tecidos cor de ametista próprios de mulheres,
por mais que gabe as vestes simples, e sempre use
sombrias cores, é esverdeado nos costumes.
Por que o julgo invertido?, perguntarás tu.
Tomamos banho juntos: nunca olha para cima,
mas com olhos vorazes contempla os paneleiros
e cresce-lhe a água na boca ao ver caralhos.
Queres saber quem é ele? Já me escapou seu nome (**)

(*) Escazonte é o tipo de verso em que está escrito este epigrama. O poeta dirige a palavra, portanto, ao próprio poema.
(**) Esta expressão tem duplo sentido. O poeta pode querer dizer 1— já esqueci o seu nome; ou 2 — lá deixei escapar o seu nome, oculto em qualquer vocábulo usado no poema. A tentativa de reconstituição desse nome, alias duvidosa, só poderá, naturalmente, fazer-se em presença do texto latino.


                            II, 4


O quam blandus es, Ammiane, matri!
Quam blanda est tibi mater, Ammiane!
Fratrem te vocat et soror vocatur.
Cur vos nomina nequiora tangunt?
Quare non iuvat hoc quod estis esse?
Lusum creditis hoc iocumque? Non est:
Matrem, quae cupit esse se sororem,
Nec matrem iuvat esse nec sororem. 



Ó Amiano, como és terno para a tua mãe,
e como é terna para ti a tua mãe, Amiano!
Ela chama-te “irmão”, e tu chamas-lhe “irmã
Por que razão vos excitam esses nomes ambíguos?
Por que não ser apenas o que de facto sois?
Achas que isso não passa de brincadeira? Engano.
Quando uma mãe pretende ser tida por irmã,
é porque não quer ser nem irmã nem mãe!


                              II, 62
Quod pectus, quod crura tibi, quod bracchia vellis,
Quod cincta est brevibus mentula tonsa pilis:
Hoc praestas, Labiene, tuae - quis nescit? - amicae.
Cui praestas, culum quod, Labiene, pilas?


Tu depilas o peito, as pernas e os braços,
à volta do caralho cortas o pêlo curto,
Para agradar, Labieno (quem o ignora?), à tua amante.
Mas a quem queres tu agradar, Labieno, ao depilar o cu?

                               III, 51

Cum faciem laudo, cum miror crura manusque,
Dicere, Galla, soles 'Nuda placebo magis,'
Et semper vitas communia balnea nobis.
Numquid, Galla, times, ne tibi non placeam?


Quando gabo teu rosto, quando exalto tuas pernas, tuas mãos,
dizes-me sempre, Gala: Toda nua, ainda mais te agradarei!
Recusas-te, porém, a banhar-te comigo.
Recearás tu, Gala, que eu não seja do teu agrado?

                                
                              III, 53

Et voltu poteram tuo carere
Et collo manibusque cruribusque
Et mammis natibusque clunibusque,
Et, ne singula persequi laborem,
Tota te poteram, Chloe, carere 


Não me faz falta teu rosto,
nem teu colo, mãos ou pernas,
nem mamas, nalgas ou cu.
Não irei dar-me ao trabalho
de citar tudo, Cloé:
não me fazes falta tu!




Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Epigramas, de Marcial



                          I,74

Nullus in urbe fuit tota qui tangere vellet
Uxorem gratis, Caeciliane, tuam,
Dum licuit: sed nunc positis custodibus ingens
Turba fututorum est: ingeniosus homo es.


Em toda a urbe ninguém havia que tocar quisesse
gratuitamente, ó Ceciliano, a tua mulher
enquanto tu deixavas. Mas agora que a rodeaste de guardas
uma malta enorme a quer foder. Que espertalhão tu és!

                          I,78

Pulchre valet Charinus, et tamen pallet.
Parce bibit Charinus, et tamen pallet.
Bene concoquit Charinus, et tamen pallet.
Sole utitur Charinus, et tamen pallet.
Tingit cutem Charinus, et tamen pallet.
Cunnum Charinus lingit, et tamen pallet.


Carino é homem são, mas mesmo assim está pálido.
Carino bebe pouco, mas mesmo assim está pálido.
Carino digere bem, mas mesmo assim está pálido.
Carino põe-se ao sol, mas mesmo assim está pálido.
Carino pinta o rosto, mas mesmo assim está pálido.


                          I,91

Quod numquam maribus iunctam te, Bassa, videbam
Quodque tibi moechum fabula nulla dabat,
Omne sed officium circa te semper obibat
Turba tui sexus, non adeunte viro,
Esse videbaris, fateor, Lucretia nobis:
At tu, pro facinus, Bassa, fututor eras.
Inter se geminos audes committere cunnos
Mentiturque virum prodigiosa Venus.
Commenta es dignum Thebano aenigmate monstrum,
Hic ubi vir non est, ut sit adulterium.


Como nunca te vi, ó Bassa, cercada de homens
e de nenhuma amante as más-línguas te acusavam,
e como à tua volta só havia donzelas
prontas ao teu serviço, mas de macho... nem cheiro,
cheguei, confesso, a crer-te uma Lucrécia.
Mas afinal, Bassa, — que horror! — tu fodia-las todas,
tu ousavas fazer amor cona com cona,
quase parecias um homem, ó Vénus monstruosa!
Forjaste um enigma digno da tebana esfinge:
como haver adultério onde não existe homem!

Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975