quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O cantador de Setúbal




Fui apalpar os tomates
Que tinha o meu hortelão,
Mostrou-me o nabal que tinha,
Meteu-me o nabo na mão.

Sou mestra na agricultura,
Tenho terra para cavar,
Gosto sempre de apalpar
Se a enxada é mole ou dura.
Ser amiga da verdura
Não são nenhuns disparates;
Enchi alguns açafates
De tomateiros de cama.
Depois de apalpar a rama
Fui apalpar os tomates.

As sementes tomateiras
Nascem por dentro e por fora,
Semeiam-se a toda a hora
Dentro de fundas regueiras.
Tão brilhantes sementeiras
Dão gosto e satisfação.
Dentro do meu regueirão
Dão-me as ramas pelos joelhos;
Que tomates tão vermelhos
Que tinha a meu hortelão!

Só de vê-los e apalpá-los
Faz andar a gente louca,
Faz crescer água na boca
E a boca dar estalos.
Meu hortelão tem regalos,
Tem hortaliça fresquinha;
No vale da carapinha
Tem um tomateiro macho.
Abriu-me a porta de baixo,
Mostrou-me o nabal que tinha.

Tinha grelos e nabiças,
Tinha tomates graúdos,
Tinha nabos ramalhudos
Com as cabeças roliças.
Tão brilhantes hortaliças
Meteram-me tentação;
Era franco a hortelão,
Deu-me uma couve amarela
Para me dar gosto à panela
Meteu-me o nabo na mão.


António Maria Eusébio ou Eusébio Calafate, conhecido como
“O Cantador de Setúbal” (1820-1911)