domingo, 9 de fevereiro de 2014

Carmina Priapea


                               1 (VIII)

Matronae procul hinc abite castae:
turpe est vos legere inpudica verba.
non assis faciunt euntque recta:
nimirum sapiunt videntque magnam
matronae quoque mentulam libenter.


Daqui pra fora já! Daqui vos afastai, castas matronas!
A vós não fica hem estas palavras ler despudoradas.
Baldado é o aviso... Não fazem caso e acorrem pressurosas:
porque são matronas, não deixam de saber como é gostoso.
Também uma matrona caralho grande vê com muito agrado.

                               2 (LXXIII)

Obliquis quid me, pathicae, spectatis ocellis?
non stat in inguinibus mentula tenta meis.
quae tamen exanimis nunc est et inutile lignum,
utilis haec, aram si dederitis, erit.
Per medios ibit pueros mediasque puellas
mentula, barbatis non nisi summa petet.


Que estais, ó minhas putas, olhando de través assim pra mim?
certo que entre as pernas não está este caralho agora teso:
está murcho, é bem verdade, um simples pau — direis — sem serventia.
Garanto-vos, porém, que logo servirá, se altar lhe derdes.

                               3 (X)

Insulsissima quid puella rides?
non me Praxiteles Scopasve fecit,
non sum Phidiaca manu politus;
sed lignum rude vilicus dolavit
et dixit mihi 'tu Priapus esto'.
spectas me tamen et subinde rides:
nimirum tibi salsa res videtur
adstans inguinibus columna nostris.


Estúpida mulher, porque te ris?
Nem Escopas nem Praxiteles me fez,
nem Fídias me poliu com suas mãos;
grosseiro lenho, um camponês podou-me,
dizendo-me dest’arte: “Sê Príapo”
Ainda assim me observas e te ris?
Pois deixa estar... Mais graça me acharás,
passando a ser encosto destas v’rilhas.

                               4 (XXIX)


Obscaenis, peream, Priape, si non
uti me pudet inprobisque verbis.
sed cum tu posito deus pudore
ostendas mihi coleos patentes,
cum cunno mihi mentula est vocanda.


Eu morra já, Priapo, se pudor
não tenho de indecentes palavrões.
Porém, se sendo deus não te envergonhas
de aos olhos meus expor esses colhões,
o meu caralho incito a buscar cona.

                               5 (XXXIX)

Forma Mercurius potest placere,
forma conspiciendus est Apollo, 
formosus quoque pingitur Lyaeus,
formosissimus omnium est Cupido.
me pulcra fateor carere forma,
verum mentula luculenta nostra est:
hanc mavolt sibi quam deos priores
si qua est non fatui puella cunni. 



Encanta a formosura de Mercúrio;
Apolo, por ser belo, é celebrado;
Lieu (*) se representa mui formoso;
mais belo quo esses todos é Cupido.
Por mim, se nada devo à formosura,
senhor sou de caralho avantajado,
caralho a que mais quer que àqueles deuses
a tipa que não for de cona insonsa

(*) O “Libertador”, ou seja, Baco.

                               6 (XVIII)

Commoditas haec est in nostro maxima pene,
laxa quod esse mihi femina nulla potest.


Vantagem grande tem o meu caralho:
morrer o cio não deixa da mulher.

                               7(L)

Quaedam, si placet hoc tibi, Priape,
fucosissima me puella ludit
et nec dat mihi nec negat daturam:
causas invenit usque differendi.
quae si contigerit fruenda nobis,
totam cum paribus, Priape, nostris
cingemus tibi mentulam coronis.

Escuta 0 que te digo, bom Priapo:
hipócrita mulher traz-me enganado;
favores não concede, nem mos nega,
pretextos inventando pra adiar.
Se possuir puder seu corpo um dia,
c’os camaradas meus, ó bom Príapo,
de c’roas teu caralho enfeitarei.

                               8 (III) (*)

Obscure poteram tibi dicere: “da mihi, quod tu
des licet assidue, nil tamen inde perit.
da mihi, quod cupies frustra dare forsitan olim,
cum tenet obsessas invida barba genas,
quodque Iovi dederat qui raptus ab alite sacra
miscet amatori pocula grata suo,
quod virgo prima cupido dat nocte marito,
dum timet alterius volnus inepta loci.”
simplicius multo est 'da pedicare' Latine
dicere. quid faciam? crassa Minerva mea est.


Usando de rodeios, dizer pudera: Dá-me esse prazer,
que podes sempre dar, sem dano daí vir à virgindade;”
ou “dá-me o que algum dia ninguém te aceitará, se lho ofertares
(na idade em que, homem feito, a barba despontar de tua face) ;”
 ou “o dom que a Jove deu aquele que ave sacra arrebatou,
e agora ao seu amante as taças enche de licor jucundo;”
ou “dá-me o que uma virgem, do dardo temerosa em certo sítio,
em noite de noivado ao cúpido marido dar prefere.”
Mais simples que isso tudo, em bom latim diria: “Dá-me 0 cu.” Desculpem, por favor, que a mais não me inspirou bronca Minerva.

(*) De Ovídio, segundo Séneca, pai.


                               9 (XI)

Ne prendare cave. prenso nec fuste nocebo,
saeva nec incurva volnera falce dabo:
traiectus conto sic extendere pedali,
ut culum rugam non habuisse putes.


Cautela, não te apanhe: não julgues que te espanco c’um porrete,
ou golpes te darei com esta curva foice.
Deitando-te ao comprido, c’o toro te trespasso dum bom pé,
que até ficas cuidando que 0 cu pregas não tem.

                               10 (LXIX)

Cum fici tibi suavitas subibit
et iam porrigere huc manum libebit,
ad me respice, fur, et aestimato,
quot pondo est tibi mentulam cacandum.


Se acaso te tentar do figo o doce gosto,
e a mão alevantada já esteja pra colhê-lo,
ladrão, olha pra mim, maduramente pensa
no peso do caralho que cagarás depois.


                               11 (XXXVIII)

Simpliciter tibi me, quodcunque est, dicere oportet,
natura est quoniam semper aperta mihi:
pedicare volo, tu vis decerpere poma;
quod peto, si dederis, quod petis, accipies.


Dizer-te sem rodeios aquilo que quiser me é consentido,
pois minha natureza falar me manda assim abertamente:
Ao cu te quero ir; tu queres colher frutos desta horta;
se dás o que te peço, de mim receberás o que pretendes.

                               12 (V)

Quam puero legem fertur dixisse Priapus,
versibus his infra scripta duobus erit:
'quod meus hortus habet sumas inpune licebit,
si dederis nobis quod tuos hortus habet.

É fama que Príapo a um moço esta lei ditou um dia,
que nestes dois versinhos aqui deixo transcrita:
“Os frutos do meu horto colher impunemente poderás,
por troca se me deres os frutos do teu horto.” (*)

(*) É claro que o vocábulo horto está aqui usado in malam partem, i. é, com sentido obsceno.

                               13 (XXV)


Hoc sceptrum, quod ab arbore est recisum
nulla et iam poterit virere fronde,
sceptrum, quod pathicae petunt puellae,
quod quidam cupiunt tenere reges,
quoi dant oscula nobiles cinaedi 18,
intra viscera furis ibit usque
ad pubem capulumque coleorum.

O ceptro (*) que possuo, assim que foi da árvore truncado,
ninguém já poderia fazê-lo vicejar em farta fronde.
Um ceptro tal, que anseiam as putas no seu corpo ter metido,
um ceptro que alguns reis tomar em suas mãos desejariam,
um ceptro a que dão beijos os debochados filhos de família,
— um ceptro assim, ladrão, te meto nas entranhas mais profundas,
até o baixo-ventre e o cabo dos colhões dilacerar.

 (*) Trata-se do falo de Príapo, feito de pau.




Tradução de Custódio Magueijo em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

sábado, 25 de janeiro de 2014

Carmina, de Catulo



                    LXXIV

  Gellius audierat patruom obiurgare solere,
    Siquis delicias diceret aut faceret.
  Hoc ne ipsi accideret, patrui perdepsuit ipsam
    Vxorem et patruom reddidit Harpocratem.
  Quod voluit fecit: nam, quamvis inrumet ipsum                  
    Nunc patruom, verbum non faciet patruos.
  
Gélio ouvira dizer que seu tio costumava recriminar
quantos falassem do amor ou o fizessem.
Para que o mesmo não lhe acontecesse,
fodeu-lhe a própria esposa,
fazendo do tio um Harpócrates (*)
Atingiu o objectivo, pois mesmo que embroche o tio em pessoa,
nem uma só palavra este soltará.
(*) Divindade greco-egípcia, representada sob a forma dum rapaz levando um dedo à boca a impor silêncio.

                    LXXVIII
   Gallus habet fratres, quorumst lepidissima coniunx
    Alterius, lepidus filius alterius.
  Gallus homost bellus: nam dulces iungit amores,
    Cum puero ut bello bella puella cubet.
  Gallus homost stultus nec se videt esse maritum,              
    Qui patruos patrui monstret adulterium.

Tem Galo dois irmãos: um que possui mulher cheia de encantos,
e outro que é pai dum belo rapaz.
Galo é uma excelente criatura: doces desejos atrela,
atirando para a cama a bela mulher com o belo moço.
Ora Galo é tolo, porque não vê que ele próprio é marido, que, sondo tio,
ensina a desonrar um tio.

                    LXXX


  Quid dicam, Gelli, quare rosea ista labella
    Hiberna fiant candidiora nive,
  Mane domo cum exis et cum te octava quiete
    E molli longo suscitat hora die?
  Nescioquid certest: an vere fama susurrat                     
    Grandia te medii tenta vorare viri?
  Sic certest: clamant Victoris rupta miselli
    Ilia, et emulso labra notata sero.

Faz-me pensar, Gélio, porque é que esses teus lábios rosados
se tornam mais brancos que a neve de Inverno,
quando sais de casa pela manhã
e quando a oitava hora dum dia estival,
duma plácida sesta te desperta.
Não sei ao certo. Acaso, segundo é fama,
engoles másculas porras, anchas e tesas?
Sim, é mais que certo: proclamam-no
os derreados flancos do mísero Vítor
e teus lábios da langonha que ordenhas lambuzados.

                    LXXXIII

  Lesbia mi praesente viro mala plurima dicit:
    Haec illi fatuo maxima laetitiast.
  Mule, nihil sentis. si nostri oblita taceret,
    Sana esset: nunc quod gannit et obloquitur,
  Non solum meminit, sed quae multo acrior est res               
    Iratast. Hoc est, uritur et coquitur.


Na presença do marido, Lésbia injuria-me acerbamente,
O que àquele imbecil imensa alegria dá.
Cavalgadura, que nada percebes. Se ela se calasse,
esquecida de mim, era que estava curada;
agora como barafusta e vitupera,
não só me tem no pensamento, como,
o que é muito mais grave,
está rabiosa. Quer dizer: arde em desejos e expande-se.

                    LXXXVIII

  Quid facit is, Gelli, qui cum matre atque sorore
    Prurit et abiectis pervigilat tunicis?
  Quid facit is, patruom qui non sinit esse maritum?
    Ecqui scis quantum suscipiat sceleris?
  Suscipit, o Gelli, quantum non ultima Tethys                  
    Nec genitor lympharum abluit Oceanus:
  Nam nihil est quicquam sceleris, quo prodeat ultra,
    Non si demisso se ipse voret capite.

Ó Gélio, que faz aquele que, despida a camisa,
passa as noites em claro, enrolando-se na mãe e na irmã?
que faz aquele que impede o tio de fornicar?
Acaso te dás conta da enormidade de tal crime?
Tão grande, ó Gélio, que nem a longínqua Tétis,
nem Oceano, pai das Ninfas, poderão lavá-lo.
Pois não é possível ir mais além no crime,
ainda quando, alguém, de cabeça abaixada,
na boca o próprio caralho metesse.

                    LXXXIX

  Gellius est tenuis: quid ni? cui tam bona mater
    Tamque valens vivat tamque venusta soror
  Tamque bonus patruos tamque omnia plena puellis
    Cognatis, quare is desinat esse macer?
  Qui ut nihil attingit, nisi quod fas tangere non est,          
    Quantumvis quare sit macer invenies.



Gélio anda macilento. Como não?
Vivendo com mãe tao boa, tao vigorosa,
e com uma tão encantadora irmã,
um tio tão amável e tantas raparigas na família,
como pode ele deixar de magro estar?
Ainda que só com as interditas comércio tivesse,
razões de sobra houvera para andar magro.


XCVII

  Non (ita me di ament) quicquam referre putavi,
    Vtrumne os an culum olfacerem Aemilio.
  Nilo mundius hoc, niloque immundior ille,
    Verum etiam culus mundior et melior:
  Nam sine dentibus est: dentes os sesquipedales,                
    Gingivas vero ploxeni habet veteris,
  Praeterea rictum qualem diffissus in aestu
    Meientis mulae cunnus habere solet.
  Hic futuit multas et se facit esse venustum,
    Et non pistrino traditur atque asino?                       
  Quem siqua attingit, non illam posse putemus
    Aegroti culum lingere carnificis?

Julgo (perdoem-me! os deuses) ser ocioso reflectir
sobre se cheire a boca ou o cu a Emílio.
Aquela não é nada mais limpa,
este não é nada mais sujo,
mesmo assim, 0 seu cu é mais limpo e melhor,
pois dentes não tem. A boca dentes tem com pé e meio de comprido
e gengivas desconjuntadas como carroça velha,
além de espasmos como ter costuma o cone duma mula,
quando mija, arreganhado polo calor.
Tem muitas mulheres fodido e faz de galante.
E não o despacham para o moinho, fazendo companhia ao burro?
Mulher quo se deite com ele, não a julgaremos
capaz de lamber 0 cu a um carrasco doente?


                    XCIX

  Surripui tibi, dum ludis, mellite Iuventi,
    Suaviolum dulci dulcius ambrosia.
  Verum id non inpune tuli: namque amplius horam
    Suffixum in summa me memini esse cruce,
  Dum tibi me purgo nec possum fletibus ullis                   
    Tantillum vostrae demere saevitiae.
  Nam simul id factumst, multis diluta labella
    Abstersti guttis omnibus articulis,
  Ne quicquam nostro contractum ex ore maneret,
    Tamquam conmictae spurca saliva lupae.                     
  Praeterea infesto miserum me tradere Amori
    Non cessasti omnique excruciare modo,
  Vt mi ex ambrosia mutatum iam foret illud
    Suaviolum tristi tristius helleboro.
  Quam quoniam poenam misero proponis amori,                    
    Numquam iam posthac basia surripiam.


Meu doce Juvêncio, enquanto folgavas,
um beijinho to roubei, mais doce quo a doce ambrósia.
Mas não fiz com impunidade: pois mais duma hera, lembro-me,
pregado estive no alto duma cruz,
enquanto perante ti me justificava,
sem conseguir, um poucachinho sequer,
com minhas lágrimas tua crueldade vergar.
Ora mal te beijei, logo com todos os dedos limpaste
dos tens lábios a minha saliva,
para que da minha boca nada infecto a eles se colasse,
como se fosse a imunda saliva de puta brochista.
Depois, não cessaste de vincular este infeliz
ao hostil Amor e do toda a forma me atormentar,
a ponto de tal beijinho só me ter agora convertido
do ambrosíaco em mais ‘amargoso quo o amargo eléboro.
Já que tal castigo impões a meu mal-aventurado amor,
nunca mais, desde agora, beijo nenhum te roubarei.

                    CXI

  Aufilena, viro contentam vivere solo,
    Nuptarum laus e laudibus eximiis:
  Sed cuivis quamvis potius succumbere par est,
    Quam matrem fratres _efficere_ ex patruo.

Aufilena, com um único homem satisfeita viver,
é para uma esposa o mais alto galardão;
mas muito mais decente é que uma se ponha debaixo de qualquer,
do que ser mãe dos filhos de seu tio.

                    CXIII


  Consule Pompeio primum duo, Cinna, solebant
    Mucillam: facto consule nunc iterum
  Manserunt duo, sed creverunt milia in unum
    Singula. fecundum semen adulterio.

No primeiro consulado de Pompeio, ó Cina,
eram dois a Mecília montar.
Agora, nomeado cônsul pela segunda vez,
continuaram os dois, mas de cada um brotaram mil.
Fecunda é a semente do adultério.


Tradução de J. Lourenço de Carvalho em
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975