sexta-feira, 14 de março de 2014

Os Amores de Vénus e Marte, de Reposiano


De concubitu Martis et Veneris
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Dum ludos sic blanda Venus, dum gaudia miscet
et dum suspenso solatia quaerit amori,                        75
dum flet quod sera venit sibi grata voluptas,
ecce furens post bella deus, post proelia victor
victus amore venit. Cur gestas ferrea tela?
Ne metuat Cypris, comptum decet ire rosetis.
A, quotiens Paphie vultum mentita furentis                80
lumine converso serum incusavit amantem!
Verbera saepe dolens mentita est dulcia serto,
aut, ut forte magis succenso Marte placeret,
amovit teneris suspendens oscula labris,
nec totum effundens medio blanditur amore.                85
Decidit aut posita est devictis lancea palmis;
sed, dum forte cadit, myrto retinente pependit.
Ensem tolle, puer; galeam tu, Gratia, solve!
Haec laxet nodos, haec ferrea vincula temptet:
solvite, Bybliades, praeduri pectora Martis                   90
loricaeque moras; vos scuta et tela tenete:
nunc violas tractare decet! Laetare, Cupido,
terribilem divum tuo solo numine victum:
pro telis flores, pro scuto myrtea serta,
et rosa forte loco est gladii, quem iure tremescunt!             95
Iverat ad lectum Mavors, et pondere duro
floribus incumbens totum turbarat honorem;
ibat pulchra Venus vix presso pollice cauta,
florea ne teneras violarent spicula plantas;
et nunc innectens, ne rumpant oscula, crinem,                100
nunc vestes fluitare sinens, vix, laxa retentat,
cum nec tota latet nec totum nudat amorem.
Ille inter flores, furtivo lumine, tectus,
spectat hians Venerem totoque ardore tremescit.
Incubuit lectis Paphie. Proh sancte Cupido,                       105
quam blandas voces, quae tunc ibi murmura fundunt !
Oscula permixtis quae tunc fixere labellis!
Quam bene consertis haeserunt artibus artus!
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saepe levi cruris tactu commovit amantem
in flammas, quas diva fovet.
Iam languida fessos
forte quies Martis tandem compresserat artus;
non tamen omnis amor, non omnis pectore cessit                115
flamma dei: trahit in medio suspiria somno
et venerem totis pulmonibus ardor anhelat.
Ipsa Venus tunc tunc calidis suspensa venenis
uritur ardescens, nec somnia parta quiete...
O quam blanda quies! O quam bene presserat artus             120
nudos forte sopor! Niveis suffulta lacertis
colla nitent; pectus gemino quasi sidere turget.
Non omnis resupina iacet, sed corpore flexo
molliter et laterum qua se confinia iungant;
Martem respiciens, deponit lumina somno,                125
sed gratiosa, decens... Pro lucis forte Cupido
Martis tela regens; quae postquam singula
loricam clipeum gladium galeaeque minaces
cristas flore ligat: tunc hastae pondera temptat
miraturque suis tantum licuisse sagittis.                      130



Os amores de Vénus e Marte (vv. 74-130)


Nos bosques passa o tempo a doce Vénus,
e chora por tanto tardar a hora do prazer,
buscando distracção para a espera do amor:
ardente da batalha chega Marte, vencido por Cupido
o vencedor da peleja. Porque vens tu coberto de aço?
Para não assustar Vénus orna-te antes de flores.
Ah! quanta vez a deusa, fingindo-se zangada,
olhou Marte acusando-o de tanto ter tardado.
Quanta vez ameaçou bater-lhe com grinaldas
e — quem sabe? — para ainda mais excitar Marte
repele-o, adiando os beijos dos seus lábios;
e sem deixar expandir toda a onda amorosa
vai-lhe prodigalizando eróticas carícias.
A lança de Marte cai-lhe das mãos, das suas mãos
submissa, e ao cair prende-se numa sebe de mirto.
Tira-lhe a espada Cupido, as Graças desprendem-lhe o elmo,
as donzelas de Biblis apartam-lhe a armadura:
uma abre-lhe as fivelas, outra os ganchos de ferro
que sustentam a couraça, outras pegam no escudo e dardos. 
Neste momento o aço cede o lugar às flores.
Alegra-te, Cupido, submisso ao teu único poder
o temeroso deus está subjugado ao amor.
As armas troca por flores, o escudo por grinaldas,
e no lugar da espada horrenda toma uma rosa.
Em leito florido reclina-se Marte, dispersando
com o seu peso a harmonia das pétalas.
A bela Vénus vem juntar-se-lhe, em passos leves,
não vão os espinhos picar-lhe os frágeis pés,
solta os cabelos, antes que no ardor dos beijos se desatem,
deixa ondear os véus que a cobrem, mal os segura,
sem toda se cobrir, mas sem desnudar todo o encanto.
Marte, com olhar furtivo, do seu leito de flores
contempla Vénus boquiaberto, estremece de excitação.
A deusa reclina-se no leito. Oh! divino Cupido,
que doces palavras murmuram entre si!
Que beijos imprimem nos lábios que se colam!
Como os seus membros se entrelaçam uns nos outros! (*)
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Mil vezes o leve contacto duma coxa excita Marte
com um ardor que Vénus cada vez mais inflama.
Uma lânguida quietude apodera-se dos membros do deus,
mas o seu corpo ainda não esgotou todo o amor,
todas as suas chamas; no meio do sono
o ardor da paixão ainda lhe brota do ânimo.
Vénus, ardente ainda, sente percorrer-lhe o corpo
como que um cálido veneno, e não consegue mergulhar no sono.
Que visão de beleza ! Como o langor que os toma
une tão bem um ao outro os corpos nus.
Nos braços de neve repousa o colo da deusa; 0 peito brilha
como que iluminado por um par de estrelas.
Sem toda se apoiar nas costas, Vénus inclina-se levemente
para 0 lado em que o seu corpo toca o corpo do amante.
Contemplando Marte, ela sente o sono conquistar-lhe os olhos,
sempre graciosa e bela. Perto dali Cupido
com as armas de Marte: toma-lhes o peso, uma a uma,
a couraça, o escudo, a espada, o penacho altaneiro
do elmo, prende-as a todas com flores; sopesa a forte lança
e admira a vitória das suas setas sobre arma tão poderosa.

(*) Omitimos os VV. 109-111.

Tradução de José António Campos em 
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975


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