terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Carmina, de Catulo



                XXVIII

  Pisonis comites, cohors inanis
  Aptis sarcinulis et expeditis,
  Verani optime tuque mi Fabulle,
  Quid rerum geritis? satisne cum isto
  Vappa frigoraque et famem tulistis?                            
  Ecquidnam in tabulis patet lucelli
  Expensum, ut mihi, qui meum secutus
  Praetorem refero datum lucello
  'O Memmi, bene me ac diu supinum
  Tota ista trabe lentus inrumasti.'                            
  Sed, quantum video, pari fuistis
  Casu: nam nihilo minore verpa
  Farti estis. pete nobiles amicos.
  At vobis mala multa di deaeque
  Dent, opprobria Romulei Remique.   
                           

Ó adjuntos de Pisão, séquito de bolsa vazia,
com bagagem sumária e leveira,
excelente Verânio e meu caro Fabulo,
qua é feito de vós? Acaso, na companhia desse biltre,
fomes e frios padecestes?
E que raio de lucro é esse,
que nos vossos registos em despesas figura,
como a mim aconteceu, ao acompanhar o meu pretor,
lançando os gastos na coluna dos réditos?
Ah, Mémio, comigo debaixo de ti, a teu gosto e longamente,
com esse barrote inteiro, sereno me embrochaste!
Mas, por aquilo que vejo, a vossa desgraça igual a minha foi:
pois com uma porra nada menor vos atulharam.
Vá lá a gente arrimar-se a amigos ilustres!
E a vós, Pisão e Mémio, opróbrio dos Romanos,
que os deuses e as deusas vos carreguem de infortúnios.


                XXXII

  Amabo, mea dulcis Ipsithilla,
  Meae deliciae, mei lepores,
  Iube ad te veniam meridiatum.
  Et si iusseris illud, adiuvato,
  Nequis liminis obseret tabellam,                               
  Neu tibi lubeat foras abire,
  Sed domi maneas paresque nobis
  Novem continuas fututiones.
  Verum, siquid ages, statim iubeto:
  Nam pransus iaceo et satur supinus                            
  Pertundo tunicamque palliumque.



Eu te peço, minha doce Ipsitila,
meu amor, meus encantos,
deixa que vá contigo a sesta fazer.
E se consentires, atende a isto, por favor:
que ninguém ponha trancas à porta da rua,
e que não te dê na cabeça saíres;
anda, fica em casa e prepara-te
para darmos seguidas nove fodas.
Então, se és capaz, manda-me já chamar:
aqui estou, bem comido e pronto, deitado de barriga para cima,
De lado a lado a túnica e o manto perfurando.


                XXXIII

  O furum optime balneariorum
  Vibenni pater, et cinaede fili,
  (Nam dextra pater inquinatiore,
  Culo filius est voraciore)
  Cur non exilium malasque in oras                               
  Itis, quandoquidem patris rapinae
  Notae sunt populo, et natis pilosas,
  Fili, non potes asse venditare.



Ó rei dos ladrões dos balneários,
tu, pai Vibeno, e tu, ó filho, grande panasca
(pois só a dextra do pai é mais sórdida,
mais sôfrego é o cu do filho),
porque não abalais para terras malditas do exílio,
dado que os rapinanços do pai de todos são conhecidos,
e tu, seu filho, as nalgas peludas já. não podes
por um tostão à venda pôr.


                XXXVII

  Salax taberna vosque contubernales,
  ..........................................................
  Solis putatis esse mentulas vobis,
  Solis licere, quidquid est puellarum,
  Confutuere et putare ceteros hircos?                           
  An, continenter quod sedetis insulsi
  Centum an ducenti, non putatis ausurum
  Me una ducentos inrumare sessores?
  Atqui putate: namque totius vobis
  Frontem tabernae scorpionibus scribam.                        
  Puella nam mi, quae meo sinu fugit,
  Amata tantum quantum amabitur nulla,
  Pro qua mihi sunt magna bella pugnata,
  Consedit istic. hanc boni beatique
  Omnes amatis, et quidem, quod indignumst,                     
  Omnes pusilli et semitarii moechi;
  Tu praeter omnes une de capillatis,
  Cuniculosae Celtiberiae fili
  Egnati, opaca quem bonum facit barba
  Et dens Hibera defricatus urina.                              



O túrpido lupanar, e vós, contubernais,
……………………………………………………………….
convenceis-vos que sois os únicos a ter um caralho,
os únicos capazes de bem foder todas as mulheres,
acoimando os outros de rudes bodes mal-cheirosos?
por vos sentardes em fila cem ou duzentos idiotas,
achais que não sou capaz de embrochar
duzentos de vós, todos à uma?
Pois ficai sabendo que hei-de pintar
toda a fachada do vosso lupanar com signos obscenos.
E essa mulher que fugiu do meus braços,
e por mim amada como nenhuma o será. jamais,
por quem me bati em duros prélios,
vos tem feito companhia. Homens ricos e de estirpe,
todos vós com ela amor fazeis; mas na verdade, para sua vergonha,
não passais de bisbórrias e libertinos de viela.
Acima de todos, tu, Egnácio, modelo de cabeludos,
filho da Celtibéria farta em coelhos,
tu, a quem a barba espessa e os dentes, com urina ibérica esfregados
um ar de nobreza conferem.


                LVI

  Orem ridiculam, Cato, et iocosam
  Dignamque auribus et tuo cachinno.
  Ride, quidquid amas, Cato, Catullum:
  Res est ridicula et nimis iocosa.
  Deprendi modo pupulum puellae                                  
  Trusantem: hunc ego, si placet Dionae,
  Protelo rigida mea cecidi.

Catão, mas que absurda e divertida aventura,
digna de tua atenção e gargalhadas.
Ri-te, Catão, tanto quanto amas Catulo.
A coisa é pitoresca e muito divertida:
Acabo de surpreender um puto a empernar uma moça.
Então eu — que Dione (*) me perdoe —,
enrabei-o acto contínuo com a porra em acção.

(*) Vénus. Cf. Camöes, Os Lusíadas, II, 21 e 33. IX, 36.


                LVII

  Pulcre convenit inprobis cinaedis,
  Mamurrae pathicoque Caesarique.
  Nec mirum: maculae pares utrisque,
  Vrbana altera et illa Formiana,
  Inpressae resident nec eluentur:                               
  Morbosi pariter, gemelli utrique
  Vno in lectulo, erudituli ambo,
  Non hic quam ille magis vorax adulter,
  Rivales sociei puellularum.
  Pulcre convenit inprobis cinaedis.   

Completa é a harmonia entre esses panascas sem vergonha,
o Mamurra e o César paneleiros.
Nem admira: iguais mazelas os irmanam,
um na Urbe, outro em Fórmias;
estão neles incrustadas e ninguém as apagará.
Um e outro por igual gémeos no vicio,
para ambos um leito único, ambos sabichões,
não sendo este mais insofrido adúltero que aquele,
rivais e sócios nos amores.
Completa é a harmonia entre esses panascas sem vergonha.
  

Tradução de J. Lourenço de Carvalho em
Antologia de poesia latina, erótica e satírica, por um grupo de docentes da Faculdade de Letras de Lisboa. Fernando Ribeiro de Mello – Edições Afrodite, Lisboa, 1975

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