domingo, 13 de novembro de 2011

Marília de Dirceu, de Tomás António Gonzaga (1744-1810)

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Parte II, Lira XXV
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Minha Marília,
o passarinho,
a quem roubaram
ovos, e ninho,
mil vezes pousa
no seu raminho;
piando finge
que anda a chorar.
Mas logo voa
pela espessura,
nem mais procura
este lugar.


Se acaso a vaca
perde a vitela,
também nos mostra
que se desvela;
o pasto deixa,
muge por ela,
até na estrada
a vem buscar.
Em poucos dias,
ao que parece,
dela se esquece,
e vai pastar.


O voraz tempo,
que o ferro come,
que aos mesmos reinos
devora o nome;
também Marília,
também consome
dentro do peito
qualquer pesar.
Ah! só não pode
ao meu tormento
por um momento
alívio dar!


Também, ó bela,
não há quem viva
instantes breves
na chama activa;
derrete ao bronze;
sendo excessiva,
ao mesmo seixo
faz estalar.
Mas do amianto
a febre dura
na chama atura
sem se queimar.


Também, Marília,
não há quem negue,
que bem que o fogo
nos óleos pegue,
que bem que em línguas,
às nuvens chegue,
à força d'água
se há-de apagar.
Se a negra pedra
nós acendemos,
com água a vemos
mais s'inflamar.


O meu discurso,
Marília, é recto:
a pena iguala
ao meu afecto;
o amor, que nutro,
ao teu aspecto,
e ao teu semblante,
é singular.
Ah! nem o tempo,
nem inda a morte
a dor tão forte
pode acabar!

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