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A MARTINHADA
CANTO SEGUNDO.
ARGUMENTO
O Martinho refere a parvoíce
Com que nascido foi, e mais gerado;
E que ainda na tenra meninice
Sempre andava c’o membro alevantado;
Que conservar querendo até à velhice
A potência viril no mesmo estado,
D’engonces um pismão para as mulheres
Lhe deu a feiticeira Aldonça Peres.
I.
O resplendor, que é astro, e que é deidade,
Para o Ocaso inclinava o vôo ardente,
Tendo menos da esplêndida metade
Da via d’ouro a esfera reluzente
Mas de cristal na límpida vaidade
Cansado busca a urna transparente;
Pagando a luz à neve em seus desmaios
As lágrimas que Aurora enxuga em raios.
II.
Finalmente na tarde o sol entrava,
Sem dar penso aos cavalos da carroça:
O lacaio depressa a sege lava;
Suada a regateira as v’rilhas coça;
O rústico hortelão na terra cava;
Da sesta sonolenta s’ergue a moça;
O badalo dos frades sem demoras
A vésperas tangia; eram três horas.
III.
Levados sempre à sirga em giros vários,
Com pacientes, mas antigas fleimas,
Já andavam mofinos caudatários
Levantando o docel das almorreimas:
Das ilustres culatras salafrários,
Exploravam n’olfacto, sem ter reimas;
Qu’é privilégio d’um prelado inteiro
Do cu não só ter olho, mas olheiro.
IV.
Neste tempo o Martinho diz: D’espanto
Da minha história é força que me ocorra :
E arrumando da casa para um canto
Da porra denegrida a trave burra,
Torna a dizer: Vocês ouçam-me, em quanto
Aos vasos este membro não dá surra;
Pois parece, no impulso da pancada,
De macho coice, ou de boi marrada.
V.
Viram meus Pais dois cães encangalhados,
E ouviram de dois burros a harmonia;
E destas cousas ambos esquentados,
Foram fazer em mim a mesma cria:
Sendo burros e cães os invocados,
S’ignorara a qual deles pertencia;
Mas tenho, por que iguais em tudo os ponha,
D’uns o juízo, d’outros a vergonha.
VI.
Pejada minha mãe teve acidentes,
De coices na barriga mataduras;
Qu’assim como os heróis nascem com dentes,
Eu no ventre já tinha ferraduras:
Sentia dentro em si vários crescentes,
Levedados da porra nas quenturas;
Dizendo, quando olhava para a pança
Deve de ter marés esta criança.
VII.
Vaticínios, prognósticos, e ensaios
Predisseram cruéis meu nascimento:
A uma moça da casa dois lacaios,
Pregaram um famoso esquentamento;
Dois machos de liteira, de cor baios,
A uma padeira vendo num jumento,
Enchem de molho, e fica (caso estranho )
Neles a febre, e na saloia o banho.
VIII.
Da Rua suja se viam n’atmosfera
Dois membros genitais resplandecentes,
Cometas, que do gálico na esfera
São da porra fenómenos ardentes.
Dizem as putas, que dos olhos era
Engano ver piçalhos reluzentes;
E que havia nos bélicos ensaios
Porras de pregos sim , mas não de raios.
IX.
Eis senão quando minha mãe com dores
Desmaiada mostrou algum perigo:
Assustou-se meu pai, sendo os temores
Faltar-lhe para o membro algum jazigo;
Apalpou a comadre com suores,
E um cirurgião de casa muito antigo
O escondido lugar, e os matos quedos,
Que de Fuente-rabia distam dos dedos.
X.
Mas o membro que estava reprimido,
Saindo afocinhou desesperado;
Da víbora ao veneno parecido,
Que o claustro maternal rompe assanhado.
A comadre, pasmando ao sucedido,
Proferiu neste ponto desgraçado:
Causou da natureza o desvario
Ao ventre humano um parto de safio!
XI.
Porém torna a dizer : É parto torto;
Nascerá a criança com defeito.
Mas disse o cirurgião, que estava absorto:
Arre-lá! Você qué-lo mais direito?
E a meu pai, que pergunta quase morto,
D’algum sucesso triste no conceito:
Temos caso infeliz? temos trabalho?
Responde: Não Senhor; temos cartilha.
XII.
Chegou-se então meu pai um pouco aflito;
E vendo desta porra o grande apresto,
Lhe diz, todo pasmado do conflito :
Eu não chamo isto parto, mas incesto;
E contra a natureza hoje o delito
Duas vezes envido ao vaso honesto;
Qu’esta porra infiel, como traidora
Fornica a mãe de dentro para fora.
XIII.
O cirurgião responde: Não s’enfade;
Que um filho sempre é báculo à velhice,
Arrimo d’uma casa na verdade,
Que, quando a põe segura, a faz felice:
Bem sei que desta parra a quantidade
Da criança arredada é parvoíce;
Porém nela achará, segundo eu creio,
Vossa mercê bordão, a casa esteio.
XIV.
E diz, voltando a minha mãe: Senhora,
Ponha-se em pé, e tenha confiança;
Que do seu parto o tudo está de fora,
Só falta o pouco resto da criança:
E assim foi; porque chegando a hora,
Tanto que de s’erguer teve a lembrança,
Pegado ao pé daquele tronco aceso
Me trouxe atrás de si da porra o peso.
XV.
Do gordo Carnaval na terça-feira
Veio ao mundo de carne esta bisarma,
Nos assaltos d’amor peça roqueira,
Do sexto mandamento infernal arma:
Cuidando minha mãe que era tocheira,
Do chão vendo a comadre levantar-ma,
Diz: Qu’é isto? da sorte foi descuido
Nascer da Páscoa o círio pelo Entrudo.
XVI.
Eu, e cada colhão d’igual tamanho
Somos partes que o membro em si coaduna.
Mas disse uma criada: É caso estranho
Que parisse noss’ ama uma coluna.
Responde outra: Às alvíssaras te apanho,
Porque eu vi de mais perto esta fortuna:
Pariu e tu não sabes o que dizes,
Um pinheiro que trouxe três raízes.
XVII.
O cirurgião profere em breve instante,
Com acentos bom pouco meditados;
A porra posta em pé como um gigante,
A criança e colhões no chão deitados!
No mundo não há caso semelhante,
No século presente, e nos passados;
Mas ai! é Gerião posto às avessas,
Que para baixo tem as três cabeças.
XVIII.
Depois de tudo isto vindo a ama,
Toda dengue embrulhada num capote,
Disse: Não há d’entrar na minha cama
A criança pegada a um barrote.
Mas disse uma criada : S’em Alfama
Marujo houver, que o tenha d’este lote,
Voto de baixo dele em romaria
Varrer co’as ancas toda a Trafaria,
XIX.
Contudo, que eu mamasse quis piedosa
Porém o membralhão tirava o jeito;
Até que achando o modo, cuidadosa
No membro se assentou, e deu-me o peito;
Ele sentiu que a carga era gostosa,
Começando a bulir-se mais direito,
Nas mamas, e na porra, co’a quentura
Tinha eu, e a ama, igual apojadura.
XX:
O membro, que se adiava em represália,
O gargalo estendendo do pescoço,
Mais d’um alqueire de fideus d’Italia
Desfeitos lhe repôs em caldo grosso:
Zaragatoa, cola, pez, e algalia
(Diz a ama) bota o membro do caroço;
Ou é âmbar, que agora regurgita;
Pois parece baleia que vomita.
XXI.
Toda a gente de casa vem chegando;
Mas imóvel ficou um pouco, vendo
Sem idade o marzapo venerando,
Qu’está dotado d’um tesão tremendo.
Mas dizem os mais velhos acenando:
Esta porra é prognóstico estupendo;
Vem primeiro em preságio, e depois disto
Há-de soldar-se ao corpo do Anti-Cristo.
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quinta-feira, 19 de agosto de 2010
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